A Casinha

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E lá estavam os adolescentes, matagal adentro, entrando em uma trilha muito rústica. Antes de alcançarem o cume da pequena ilha encontraram um barraco feito de pau a pique. Uma moradia bem simples até para quem estava acostumado com a simplicidade das moradias da escória. No lado de fora ainda havia restos de espinhas de peixe no chão que possivelmente eram decorrentes ao almoço anterior. Na frente da porta um velho lampião a óleo tentava iluminando apenas o necessário.

-- Venham e tentem não acordar às crianças. -- Resmungou Elias abrindo a porta com uma chave antiga.

-- Você tem filhos Elias? -- Marcia estava curiosa para conhecer a família do velho pescador.

-- Não são meus filhos! -- Respondeu o velho abruptamente, como se isso o ofendesse. -- Não quero que fiquem me fazendo perguntas... Vão entrando no banho logo, o banheiro é bem ali. Vocês estão fedendo, não quero que sujem minha casa e nem meu barco. Enquanto isso vou procurar algo para vocês vestirem. -- Nesse momento Elias deu as costas para as crianças, e esforçando-se para não fazer barulho a cada passo que dava adentrou em um cômodo, por uma porta de lençol velho bem encardido.

-- Nossa, que mal humor! -- Sussurrou Marcia.

-- Ele é assim mesmo, não julguem o Elias pelo que aparenta ser. Ele cuida bem de nós. -- Sussurrou alguém que estava no escuro, no no canto do cômodo que parecia ser a sala da casa.

Subitamente os três olharam para o ser, ele se levantou e a luz da janela permitiu que os meninos o vissem.

-- Meu nome é Jonas, Elias me deu esse nome porque fui o primeiro que ele encontrou. -- Disse o menino.

Ainda ainda assustados com a surpresa aparição daquele menino, os adolescentes se apresentaram educadamente um a um.

-- Não entendi, ele te encontrou? Como? E qual é a relação do seu nome com ele ter te encontrado? -- Tom disparou a perguntar.

O novo menino parecia que estava a todo momento de olhos fechados. E com toda a paciência respondeu.

-- Muito prazer em conhecê-los. Sim, eu e a outra criança chamada Juju fomos encontrados no mar, ao relento. Elias disse que somos filhos de algum escolhido, mas por não termos nascido da maneira que eles esperavam eles nos colocaram em uma panela e soltaram ao mar, parecido com o que fizeram com o Moisés da Bíblia. A relação do meu nome com ele ter me encontrado é que, antes disso tudo acontecer Elias era muito religioso, e ao me encontrar no alto mar ele se lembrou da história bíblica que fala sobre o rapaz que viajou dentro da barriga de um peixe grande. Esse moço da história se chamava Jonas. Entendeu?

Os três amigos estavam mais calmos quando Jonas terminou de explicar. Então foi a vez de Marcia perguntar:

-- Mas porquê seus pais fariam isso com uma criança? Porque você não é do jeito que eles queriam?

O menino com muito cuidado se aproximou de Marcia, ele aparentava ter a mesma idade da menina pelo tamanho, e explicou mais uma vez:

-- Não sei se percebeu, mas nasci sem meus olhos. Nasci cego. O governo pega crianças assim e as tomam da família, mesmo sendo de escolhidos, e ninguém sabe o que eles fazem com elas. Acredito que meus pais me colocaram em uma panela e entregaram à sorte para que o mar me levasse num ato de desespero. Acho que assim, eles tinham certeza do nosso destino, mesmo sendo a morte.

-- E como você sabe tanta coisa e fala com tanta propriedade? Você foi a escola? -- Marcia não conseguia entender como um velho bizarro como Elias pudesse ensinar tantos modos a uma criança. Jonas tinha um vocabulário muito extenso para ter sido educado pelo pescador. Ao mesmo tempo, escola era permitida apenas pata filhos dos escolhidos.

-- Eles não aprenderam comigo! -- Resmungou Elias, que apareceu pelos lençóis velhos que cobriam a passagem para o quarto. -- Devo isso a sua mãe, e é por isso que eu estou me arriscando para te ajudar. Não faria isso para qualquer pessoa. Inclusive, vou avisá-la que chegaram bem. Já que as crianças estão acordadas e vocês devem estar com fome, elas arrumarão alguma comida enquanto eu preparo o barco, vamos sair antes do amanhecer.

Assim que o velho saiu da casa, surgiu delicadamente pelo lençol encardido uma menina que aparentava ter metade da idade de Jonas. Era uma criança de uns sete anos no máximo, mas não tinha uma de suas mãos completa e um de seus braços ia só até o cotovelo.

-- Juju, Elias pediu que preparemos algo para os três comerem. Acho que ainda tem peixe no isopor. -- Afirmou Jonas.

-- Eu ouvi Jonas, não sou surda. -- A menina parecia de mal humor.

-- Desculpa gente, minha irmã não gosta de ser acordada. -- Jonas falou com um sorriso sem graça.

-- Não somos irmãos. -- Afirmou a menina pegando o peixe em uma caixa de isopor da maneira que ela conseguia, com o que deveriam ser suas mãos.

-- Alguém aqui se parece com Elias, pelo visto sua mãe não conseguiu ensinar as mesmas coisas para os dois Marcia. -- Afirmou Bruno.

-- Pelo visto tem alguém que não quer comer, não é? -- Afirmou Marcia em um tom de ironia.

-- Não, não! Me desculpe. Estou morrendo de fome. Bruno não sabia onde enfiar a cabeça de tanta vergonha.

Jonas acendeu o fogão com um fósforo e com as coordenadas que Juju dava empurrando seus braços. E então, ali os meninos tiveram uma aula de cooperação e trabalho em equipe. O que Juju não fazia, Bruno ajudava e vice versa. Enquanto isso, foram um a um tomar banho. As roupas estavam separadas em cima do colchão onde Juju e Jonas dormiam.

Eles comeram bem e no final da noite todos foram dormir encolhidos. Eles ficaram um do lado do outro em um colchão de casal estendido no chão, todos dormiram rapidamente.

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