A Jovem Senhora

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O silêncio era perceptível dentro da cabine do velho barco. Até o rangido da madeira que até então incomodava havia diminuído. Estavam todos cansados e visivelmente abalados com o que haviam visto e passado. Elias esboçava sono mas seguiu sem ansiedade para nada pegar as hélices do velho barco. Ninguém havia dormido ainda quando Elias mais uma vez desligou todas as luzes do barco e seguiu em direção ao nada.

-- Estamos chegando. -- Afirmou o velho. Os adolescentes se olharam esboçando felicidade. Mas Elias complementou. -- De agora em diante teremos que ter ainda mais atenção. Vou levá-los para a pessoa que sua mãe me pediu. O nome dela é Aline, ela vai saber o que fazer com vocês. -- Os olhares dos meninos se cruzaram novamente, porém agora estavam apreensivos.

-- Você não vai ficar conosco Elias? -- Questionou Marcia com esperança de que ele mudasse de ideia.

-- Tenho que voltar. Minhas crianças precisam de mim. Além disso, eu já me arrisquei demais, não posso abusar da sorte. -- Elias estava certo de suas responsabilidades e não podia demorar muito para voltar. Passaram alguns minus e o barco deu um solavanco. -- Pronto, chegamos. Vamos descer e ir direto encontrar Aline. Em breve o dia vai nascer novamente.

Um a um saíram do navio. A neblina ainda cobria parte do ambiente.

-- Aonde estamos? Que lugar é esse Elias? -- Questionou Bruno.

-- Aqui é um antigo ponto de pescadores. Chama-se Jacaraípe e ainda é um dos dos poucos lugares que nós pescadores ainda podemos vir e comercializar nossos peixes. Todo comércio aqui é ilegal, porém é um dos poucos lugares que escolhidos e escória ainda acabam se cruzando. Muitos escolhidos vêm com intuito de comprar peixe fresco mesmo sabendo que é um território proibido. Enfim, vamos parar de falar e começar a andar.

Fazia frio e todos sacaram de suas bolsas casacos finos para proteger do vento que vinha do mar. Em seguida seguiram o caminho pela areia da praia por mais uns quinze minutos.

-- Certo, ali está. -- Elias apontou para uma pequena ponte que estava sobre um pequeno córrego. Em seguida continuaram na direção da ponte.

Quando chegaram na alça da ponte, seguiram Elias em uma pequena trilha que os conduzia para um espaço por baixo da ponte. O mato era alto e não dava para ver o destino que ele os levava, mas não demorou para encontrarem Aline. A princípio, ela estava com a cabeça coberta por um capuz, não dava para ver seu rosto, mas dava para notar que era uma mulher de porte pequeno, magra e que carregava uma mochila quase do seu tamanho nas costas. Quando se aproximaram enfim, ela tirou o capuz e perguntou.

-- Qual é a orientação de Izadora?

Aline era uma senhora, de olhos castanhos e cabelos lisos e com pouco volume. O grisalho não escondia a experiência vivida, mas fisicamente ela parecia mais uma adolescente no grupo.

-- Ela não passou nenhuma orientação, só me disse que era pra trazer a filha dela. -- Elias tipicamente ríspido respondeu e já virou as costas para retomar o caminho de volta. -- Boa sorte para vocês crianças. -- Completou o velho.

-- E vocês, de onde surgiram? -- Perguntou Aline aos dois meninos. -- É uma história longa. A senhora quer mesmo escutar? -- Questionou Tom, com preguiça, porém ansioso para contar.

-- Vamos andando, temos que ser prudentes e fazer uma caminhada longa. Vocês me contam no caminho.

O sol já estava nascendo e Aline começava a se preocupar em encontrar um esconderijo.

-- Nós ainda estamos muito distantes? Para onde você está nos levando? -- Enfim Marcia perguntou o que todos queriam saber.

-- Estamos em uma velocidade boa. Quando o sol clarear definitivamente já chegaremos na Igreja dos Reis Magos, num lugar que outrora chamava Nova Almeida. O padre de lá é um grande amigo meu. Lá poderemos esperar a noite chegar. Amanhã devemos chegar na zona de resistência que é o lugar para onde sua mãe pediu para levar vocês.

Aline parou de falar por um instante. O silêncio dos adolescentes dava a entender que eles enfim tinham a informação que necessitavam. Porém Tom, interrompeu o silêncio com mais uma pergunta.

-- O que seria essa zona de resistência senhora?

-- Quer me ver brava, então me chame de senhora. -- Aline não sabia fazer piadas, então os demais começaram a se desculpar.

-- Não peçam desculpas, foi uma piada. -- Disse Aline decepcionada com sua performance humorística.

Quando eles entenderam, desabaram a gargalhar da situação.

-- Cuidado pessoal, não podemos dar pista. Vamos ser discretos. -- Aline sabia que corriam risco.

Os meninos continuaram com esse clima de descontração que a presença de Aline trouxe ao grupo. Parecia que dessa forma eles era possível esquecer a dor que a caminhada na areia da praia trazia.

-- Pronto, ali está. -- Aline apontou para uma ponte grande. Agora temos que entrar no bairro e subir até a igreja. Andem cobrindo a face de cabeça baixa para não serem reconhecidos pelos drones, caso eles apareçam.

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