O Sol

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Na mitologia grega, há uma lenda que explica o aparecimento da flor de girassol. Clítia ou Clície, era uma ninfa que estava apaixonada por Hélio, o deus do Sol. Quando este a trocou por Leucotéia, Clície começou a enfraquecer. Ela ficava sentada no chão frio, sem comer e sem beber, se alimentando apenas das suas próprias lágrimas. Enquanto o Sol estava no céu, Clície não desviava dele o seu olhar nem por um segundo, mas durante a noite, o seu rosto se virava para o chão, continuando então a chorar. Com o passar do tempo, os seus pés ganharam raízes e a sua face se transformou em uma flor, que continuou seguindo o sol.

Certa vez, Cristina Yang dissera para ela não ficar a sombra de Derek, pois ele é muito brilhante, mas não é o Sol.

Ela é.

E desde então mantinha-se imponente no topo do clã cirúrgico, com seu nome destacado nas paredes do hospital e sendo a responsável por metade das ações deste. Uma verdadeira lenda premiada e reconhecida mundialmente pelo prêmio Catherine Fox de inovação cirúrgica. Não havia questionamentos no que se tratava de sua carreira.

Contudo, assim como Clície, Meredith Grey havia criado raízes profundas que a impedia de seguir em frente quando se tratava de sua vida amorosa. Via na lembrança de Derek uma luz fraca, distante, que vez ou outra se apagava, deixando-a no escuro, sozinha. Era confortável não permitir que as memórias do que foram outrora fossem apagadas pelo tempo. Mas isso precisava mudar.

Você tem que deixá-lo ir, Meredith.

O que ambos tiveram fora memorável demais, é verdade. Zola, Bailey e Ellis são um sopro constante de felicidade em seus ouvidos, que lhe abraçam nos dias difíceis e a salva. Eles eram sua luz.

E agora, neste exato momento, estava se deparando com um sentimento inominável, desconhecido e afoito. Ele tinha um par de safiras esverdeadas nos olhos que lhe tiravam do eixo. Despindo-a sem pudor. Suas mãos tamborilavam na mesa, inquietas. Parecia se divertir às suas custas, mas sem aquele sorriso sacana no rosto. Encontrava-se sério, como se estivesse à espera de uma ação. O cheiro desconcertante de chocolate misturado ao amadeirado de seu perfume lhe deixou embriagada. Não sabia como respondê-lo diante daquela confissão.

Por que disse isso, Andrew? O que ele estava pensando?

Deixe-o ir, Meredith, aquela voz interior sussurrava em seus ouvidos. Ela nunca gostou de romance água com açúcar para interpretar tão bem o papel de Clície. Eu sou o Sol. Repetia em sua mente, de olhos fechados. Os únicos sons na casa eram da madeira queimando na lareira e a de suas respirações, quando de repente, a chuva lá fora se fez presente, tirando-a de seus devaneios.

– Ficou mesmo uma delícia. – repetiu, conquistando a atenção dele novamente.

– Hum. – assentiu. – Estou acabando e daqui a pouco irei embora.

– Está chovendo bastante.

– Sim.

– É perigoso sair assim, ainda mais quando se dirige uma moto. – disse, como se fosse óbvio, ainda tamborilando os dedos na mesa, nervosa.

– Estou acostumado.

– A viver no perigo?

Ela arqueou uma sobrancelha.

– Claro que não.

– Não parece.

Meredith Grey era uma incógnita. Praticamente o havia expulsado de sua casa instantes atrás e agora demonstrava preocupação?

– Eu vou ficar. – concordou, por fim.

– Certo.

– Você já pode descansar suas mãos, Meredith. Precisa delas para continuar exercendo a medicina. – segurou suas mãos levemente, fazendo-a cessar aquele barulho.

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