As jades do Lan

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  Lan Zhan olhava para a lua através da simples janela da cabana respirando fundo várias vezes. Em sua mão a carta do irmão continuava selada.

Tinha chegado a pouco e viu de imediato a expressão preocupada de Wei Ying e só aquilo já lhe deixou tenso, contudo, ficou ainda mais sombrio quando ele lhe estendeu aquela carta e disse que era do seu irmão e que ele estava sumido há cinco dias.

Atualmente eles viviam a vida que o outro sempre desejara, sem grandes responsabilidades, indo de cidade a cidade, vila a vila, ajudando quem precisava e passando o tempo restante juntos.

Ele queria uma vida camponesa e Lan Zhan faria tudo, daria tudo o que ele quisesse. Nada era mais importante do que Wei Ying a não ser... Seu irmão.

Em seu coração, ambos tinham o mesmo espaço, a mesma importância. A mesma devoção de si e em sua última conversa com Xichen ele sentiu que o que seu irmão demonstrava externamente não era o que ele sentia. O líder da Seita Lan estava triste, cheio de culpa e dor e tinha aceitado a responsabilidade do clã para tentar ocupar a mente, assim como ele mesmo fez quando Wei Ying morreu...

Mas seu irmão sempre foi mais suave e mais doce que ele. Ele devia saber que seu irmão poderia sucumbir a dor, afinal ele foi traído por quem mais amava. Lan Zhan só podia imaginar a dimensão das consequências. Não sentia culpa de ter se afastado de casa, mas sentia culpa de não estar ao lado do irmão em sua hora mais sombria.

E agora... Se ele deixou uma carta, Xichen tinha algo mais em mente do que apenas se afastar, e por isso mesmo... Lan Zhan temia descobrir o que era.

Não temia por ele, mas pelo marido... Queria Wei Ying feliz e a mera hipótese de que ele poderia se sentir de qualquer outra forma dilacerava sua alma. Entretanto...

— Lan Zhan, não deve ser nada demais, hun! ZeWu-Jun é a pessoa mais centrada que eu conheço – A mão do marido puxava de leve a ponta da faixa da sua testa e isso acabou o relaxando de certa forma, Wei Ying sempre foi exasperante, mas era o seu exasperante. Lan Zhan segurou mais forte a carta nas mãos e então olhou de canto para o marido que se postou ao seu lado da janela com um sorriso apaziguador – Ele só quis... Sei lá, copiar a gente um pouquinho!?

Lan Zhan arqueou as sobrancelhas, mas por fim assentiu de leve. Não queria passar sua preocupação fervorosa para o mais novo.

Rompeu o lacre da carta e a estendeu ao marido:

— Leia em voz alta.

Wei Ying daria um pulo para trás se ele não tivesse chocado demais para isso e a reação dele quase lhe fez sorrir. As vezes ainda se perguntava se o outro entendia de fato tudo o que significava para o seu coração e a profundidade de seus sentimentos ao ponto de que tudo que era seu pertencia a outro. Tudo, sentimentos, bens, ações.

O olhou mais firme com a carta estendida e por fim Wei a pegou abrindo o documento com mãos tremulas. Lan Zhan percebeu que era longa, o que lhe deixou ainda mais preocupado:

— Bem, bem... – Wei disse antes de realmente ler a carta – Querido irmão, sei que essa carta chegará em suas mãos em circunstâncias atípicas, afinal a essa altura eu já estarei bem longe de casa. Mas antes de qualquer coisa quero que saiba que estou bem e ficarei bem, apenas realmente necessito de um tempo longe de tudo, inclusive fisicamente, para poder redescobrir quem eu sou. Pensei que pudesse lidar sozinho com toda a tempestade dentro da minha alma e ainda assim ser um líder digno, entretanto percebi que esse não é o caso. Sei que o que estou prestes a te pedir será difícil, porém espero que possa fazê-lo até que eu consiga estar inteiro novamente. Peço perdão a você e ao seu cônjuge por me impor dessa forma, mas realmente todas as outras alternativas se mostraram falhas. Eu não pediria tal coisa se de fato houvesse outro caminho então por favor, não me odeie demais – Nisso Wei parou de ler e ergueu os olhos para si e ambos compartilharam do assombro das palavras ali escritas. Lan Zhan começou a desconfiar do que se tratava, mas queria primeiro, ouvir tudo o que tinha naquele documento... E Wei entendeu seu desejo porque imediatamente voltou a ler – Volte para Gusu e assuma o meu lugar. O tio está em retiro e ficará nele por um longo tempo, ainda assim eu deixei os dois cultivadores mais próximos dele ciente de minhas decisões para o caso dele retornar e causar algum transtorno. Tudo o que precisa está em meus aposentos, mas sei que assim como eu, você conhece bem todas as leis e ações de um líder da nossa seita e embora acredite que não tem o traquejo social necessário, eu lhe garanto que possui tantos ou mais do que eu e com o Wei ao lado, não haverá problemas com as interações sociais esporádicas. Eu irei voltar, é uma promessa, portanto não será uma obrigação muito longa e sim uma ocupação provisória. Peço perdão mais uma vez e espero que compreenda as fraquezas desse seu irmão que no momento mal se reconhece. Não me procure, pois nem mesmo eu sei por onde andarei, mas sei que voltarei quando estiver pronto. Com amor, respeito e esperança. Lan Huan.

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