Capítulo Final

190 30 34
                                    

Estela Deschamps tropeçava; as pernas fracas e moles, o suor queimando seus olhos enquanto escorria como rios por seu rosto. Estava suja — imunda — e exausta quando viu a mansão surgir diante de si, o que fez um minúsculo suspiro de alívio cruzar seus lábios.

Cruzou a porta de entrada agressivamente, invadindo a mansão sem ser interrompida, e bambeou até a sala de jantar. A cena que surgiu diante de si, no entanto, roubou qualquer esperança que ainda tinha.

Todos estavam ali, sentados ao redor da belíssima mesa de jantar, seus corpos moles e seus rostos caídos sobre os pratos. Estela viu os olhos arregalado, as bocas abertas e as mãos inchada dos mortos, como se cada um ali tivesse se afogado, mesmo estando fora da água. Não muito longe, encolhido ao chão, o mordomo dos Dubois jazia da mesma fora, sem qualquer vida em seu corpo.

Estela se jogou para perto da mãe, segurando-lhe as mãos. A pele ainda estava quente.

— Deixei os nós frouxos. — Uma voz feminina fez Estela saltar. — Achei que se soltaria mais cedo, irmã.

— Não me chame assim! — Berrou em resposta.

Mas quem era ela para negar a verdade? Estava ali, jogada para quem quisesse ver nos olhos azuis da mulher, em seu cabelo loiro e longo, em seu nariz afilado, nas ruguinhas que se formavam quando sorria macabramente. Estela via seu próprio reflexo, sua gêmea, uma mulher idêntica a si — não fosse por aquela marca escura no rosto e pescoço, a qual ela limpava cuidadosamente com um pano.

— Nem faz ideia do quanto de pó que passei para esconder essa marca e fingir ser você. — A mulher respondeu ao olhar de Estela. — Seu noivo, quer dizer, nosso irmão, deve ter achado que as pílulas envenenadas estavam finalmente funcionando.

— Não acredito em você! — Estela berrou instantes antes de chorar copiosamente. Ainda segurava as mãos sem vida de sua mãe. — Por quê? Por que fez isso? POR QUÊ?

A mulher rugiu e sua pele, agora limpa do excesso de pó, ganhou tons vermelhos. Ela jogou o pano que segurava contra o rosto de Estela e se aproximou como um predador prestes a dar o bote.

— Sabe como me senti quando descobri a verdade? Imagine como é acreditar a vida inteira que fora abandonada porque seus pais não tinham condições de te criar e, um dia, descobrir que nasceu de uma podre família de ricos! — A mulher segurou o queixo de Estela e era como estar muito perto de um espelho. — E então o pior veio: eu tinha uma irmã gêmea, uma menina mimada e amada incondicionalmente. Ela era perfeita, não tinha uma marca horrorosa no rosto. Eu fui marcada pelo beijo do Diabo e ela não, então ela servia para ser uma Deschamps, mas eu não!

Ela soltou Estela, que fraquejou e caiu de joelhos no chão, respirando pesadamente.

— Você não sairá impune disso. — Estela sussurrou, seu olhar tão maligno quanto o da irmã gêmea.

— Claro que irei. — A mulher riu, andando lentamente ao redor da mesa e dos corpos. — Espalhei extratos do veneno de Hemlock em todos os pratos. Causa parada cardiorrespiratória e não deixa traços. Bobos, apenas acharam que Estela Deschamps comia migalhas, mas eles se empanturraram com veneno.

— Contarei a verdade a todos! — Estela ameaçou.

— Pode contar. — A mulher deu de ombros e se abaixou ao lado de Estela ao terminar de rodear a mesa de jantar. — Mas não adiantará de nada, já que eu não existo. Oh, minha cara irmã, existe apenas uma Estela Deschamps, a única sobrevivente. O que pensa que concluirão disso?

Os soluços cortavam a respiração de Estela, que se afundava em sua própria escuridão. Tinha perdido tudo e todos — perdera até mesmo sua identidade.

— Dubois e Deschamps, duas famílias podres. Nem mesmo o mordomo se salva! Fiquei incrivelmente surpresa ao descobrir um veneno que causa vômito e flatulências em seu bolso! — A mulher riu. — Me questiono para quem aquele veneno era, mas acho que só poderei obter uma resposta na próxima vida.

Trêmula, Estela observou sua irmã gêmea colocar o casaco da Condessa Dubois sobre os ombros e se encaminhar para a porta da mansão. No último segundo, porém, virou-se e resmungou:

— Eu salvei sua vida, sabia? Impedi que se casasse com o próprio irmão e morresse pelas mãos de um Dubois depois. Deveria me agradecer.

E, no instante seguinte, a mulher havia desaparecido, deixando Estela Deschamps sozinha com uma sala de jantar luxuosa — e sete pessoas mortas.

[741 palavras]
[Total: 3474 palavras]

ReflexoOnde histórias criam vida. Descubra agora