ii. verdades não ditas

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Apenas duas horas haviam se passado e Anastácia já obtinha uma expressão feliz em seu rosto, escondendo o furacão de pensamentos conflituosos que rodeavam em sua mente.

Estando em público, ela tinha que manter as aparências, afinal nada do que havia discutido com seu pai e irmão poderia se especulado a outros. Um grande teatro, era isso o que ela achava. Por de trás das cortinas, todos sabiam das coisas horrendas que aconteciam no lugar que viviam.

Tentava se distrair com os diversos quadros pendurados nas paredes do local, ou fingia estar interessada na conversas das pessoas que se dirigiam a ela. Enquanto seus dedos finos seguravam o talher de prata e forçava-se a comer mais um pedaço de bolo, este sendo uma das coisas do qual mais gostava e ainda assim ele lhe descia pela garganta como uma pedra.

Sabia que tinha olhares o suficiente sobre ela, o que ocasionaria em suspeita caso levantasse sem terminar a refeição, principalmente deles. Os jovens do qual ela havia assegurado que tudo estava bem, era o que ela fielmente acreditava horas mais cedo.

Dera um generoso gole de suco, já que ela ainda era nova para ingerir algo alcoólico, porém nem o gelado liquido pudera aliviar o nó que formava-se em sua garganta. Ela contava até dez mentalmente sincronizando os números a sua respiração, um truque que ensinava para as crianças de sua aula quando ficavam muito nervosas.

— Ei, você está bem?

Mesmo não tendo certeza que a tática para se acalmar estivesse dando certo, tudo fora por água abaixo quando ouvira a pergunta. Sua respiração voltara a se desregular quando Monty se sentava a sua frente, os negros olhos gentis acompanhados por um sorriso bondoso. Um gesto que Anastácia não via com sinceridade há um bom tempo.

Algo tão estranho, mudar sua perspectiva tão drasticamente, sobre seu próprio lar. De uma hora para outra, ela descobrira coisas que a faziam questionar a bondade das pessoas, mesmo a sua, quando ainda não havia gritado a plenos pulmões para que aquele garoto fugisse dali.

— Sim... Eu estou bem. — Murmurou a resposta entre arfadas de ar.

Aquela fora a primeira mentira do qual ela acreditava ter de fazer muitas.

— Tem certeza? Não está parecendo. — Ele se inclinou sobre a mesa para analisa-la.

Anastácia pode ver quando as bochechas do menino adquiriram um tom mais avermelhado, que ao perceber o que estava fazendo, sentiu-se envergonhado voltando a se sentar devidamente na cadeira. Monty estava preocupado com a garota, desde que Clarke partira sem se despedir, uma nuvem negra rondava seus pensamentos e agora a menina era a única pessoa de Mount Weather em quem ele começava a confiar.

A verdade era que tudo havia desandado desde que eles chegaram e Clarke conseguira fugir após descobrir as reais intenções por de trás de um gentil sorriso.

— Sim, eu apenas comi muito rápido. — Fora sua resposta após ter conseguido controlar sua respiração.

— Se precisar, posso te acompanhar a enfermaria.

A garota sorriu em sua direção, apenas acenando com a cabeça enquanto negava a sua ajuda, dizendo não ser necessário. Não parecia haver quaisquer intenções ocultas na fala de Monty, o que contribuía no aperto em seu coração. Se fosse em outra situação Anastácia não poderia estar mais feliz por conhecer alguém como ele.

Sorrateiramente ele começou a falar de suas preocupações, esperando que a garota pudesse elimina-las com suas palavras esperançosas, uma vez que ela já havia dissipado suas aflições. Porém desta vez, não fora isso o que ocorrera.

Monty pode ver o exato momento em que os olhos da garota adquiriram um brilho a mais, lágrimas surgiram antes que ela pudesse processa-las em sua mente e tentar segura-las ao máximo. Passando a mão por seu rosto, ela ergueu seu corpo rapidamente.

— Me desculpe. — Fora tudo o que dissera ao se afastar da mesa.

Ela podia sentir os olhos de Monty queimando em suas costas durante todos os segundos que levara para sair do salão. Pela segunda vez no dia, ela estava chorando. Desta vez ela não corria, seus passos eram firmes enquanto trilhava seu caminho pelos corredores.

Andou o suficiente para que as grandes paredes revestidas de cimento dessem lugar a um fino vidro, tornando possível que ela visse outras obras de artes em molduras, como a de uma exposição. A música clássica alcançou seus ouvidos conforme se aproximava de seu destino, por conta do volume sua presença não fora notada até que se pronunciasse.

— Eu quero que você os liberte. — Anastácia proferiu em direção ao seu pai.

Mesmo que não houvesse intenção sua voz saíra autoritária, mesmo suplicando feito uma criança. Ela manteve-se firme ao ouvir o suspiro conforme ele virava em sua direção, seus olhos demonstravam cansaço, mesmo atentos a garota.

— Anastácia...

— Não. — O interrompeu em um ato de coragem. —  Você abriu os portões para traze-los, pode abrir novamente.

Fora a primeira verdade dita em voz alta, os dois tinham conhecimento sobre ela, porém esta não faria grande diferença quando não havia alguém que pudesse realiza-la. Este era o maior problema de Anastácia e os quarenta e seis adolescentes do espaço, ninguém queria que eles fossem livres.

— Há muito o que ser pensado sobre isso, mas já expressei minha opinião em questão a este assunto. — Sua voz soou monótona, como se não estivesse decidindo a vida de pessoas. — Verei o que poderá ser feito.

Dito isto ele voltou sua atenção ao quadro inacabado, ressonando a musica que tocava enquanto trocava de pincel, como se quer a garota estivesse ali. Ela poderia voltar a chorar, talvez obtivesse sua atenção novamente, porém um novo sentimento a dominava.

Podia sentir seu rosto esquentando, semelhante a quando ficava envergonhada, só que desta vez estava furiosa. Ela encarou seu pai por mais alguns segundos antes de sair da sala, não se preocupando com a tamanha força que utilizava ao fechar a porta.

Agora ela apenas estava designada a encontrar uma solução para seus problemas.  

SURVIVOR • Bellamy BlakeOnde histórias criam vida. Descubra agora