Lar é onde seu coração está

58 5 3
                                    

"Era bom fazer parte de um 'nós', com os mesmos pensamentos, os mesmos sentimentos, os mesmos problemas. Mas, agora, a outra metade desse 'nós' tinha ido embora e, deitada no meu quarto escuro, percebi que não sabia como me tornar eu mesmo de novo." - Lista Negra

JANEIRO, 2015 – Bradford

- Não, eu quero o rosa! - a garota grita e soca os punhos nos quadris como se fosse o maior ato de revolta existente.

- Mas querida, o rosa já foi vendido. - a mãe pacientemente tenta explicar, enquanto a vendedora encara a situação com uma expressão de constrangimento, principalmente quando a criança se joga contra a mãe em um ato de pirraça.

Antes que eu possa impedir, meus pensamentos vão até Leonard e Steve, e sobre como eles torceriam o nariz e trincariam os dentes para a cena.

Steve desejaria socar a mãe por ser tão estúpida e se submeter a tal vexame em público; Leonard, sempre mais radical, desejaria espancar as duas até sua raiva passar, o que sei que demoraria um bom tempo. O que eu faço é revirar os olhos para a cena, pagar por meu chiclete e deixar o estabelecimento sem olhar para trás.

Finalmente encontro uma cadeira vazia próxima da área de desembarque e me acomodo na mesma, enfiando um chiclete na boca e apoiando meus pés em minha enorme mala. Então sinto olhares sobre mim, sugando-me e empurrando-me para baixo. Usando o botão localizado no fone de ouvido aumento o volume da música, rodando os olhos rapidamente e captando um olhar aqui e acolá. Como aprendi a fazer nos últimos anos, apenas ignoro.

Porém, não há como impedir a mim mesma de imaginar se estou sendo observada por causa de minhas roupas e aparência desleixadas - geralmente alguém usando tudo preto e um cabelo maltrapilho chama atenção indesejada - ou porque eles sabem quem sou eu e o que fiz. Talvez a tintura castanho-escuro ou o corte em meu cabelo não tenham feito tanta diferença, afinal, e mesmo depois de meses as pessoas ainda me reconheçam, ainda que em outro país.

Checo meu celular em busca de uma mensagem ou qualquer sinal de vida por parte de minha mãe ou meu pai, que já deveriam estar a minha espera quando desembarquei há dez minutos, mas até agora nada. Bloqueio a tela do aparelho soltando um longo suspiro e fecho os olhos, me acomodando melhor na cadeira e viajando ao som de The might fall, uma de minhas favoritas da banda Fall Out Boy. Um lado de meu fone cai e estou prestes a praguejar, mas percebo que na verdade o objeto foi puxado e alguém está se inclinando para o meu lado. Estou quase soltando um palavrão, mas meu pai está sorrindo para mim.

- Olá querida. - o homem de cabelos pretos sempre bem penteados e os óculos caindo sobre o nariz me cumprimenta.

- Pai. - digo baixinho, surpresa por vê-lo. Sabia que isso iria acontecer, mas tudo é diferente e estranho agora. Não sei direito como devo agir.

Meu pai abre os braços, ainda com um risinho nos lábios. Tiro o outro fone do ouvido e fico de pé, recebendo um abraço que demoro pelo menos quinze segundos para corresponder.

- Senti tanta a sua falta, borboleta. - diz em meu ouvido e engulo em seco, meio constrangida pela cena e atingida por ele usar meu apelido de infância.

- Estou aqui agora. - é o que consigo dizer, dando um tapinha amigável no braço dele.

- Sim, está. Sua mãe está morrendo de ansiedade, mas ficou em casa com seu irmão, para arrumar as coisas, você sabe como ela é.

- Ela não vai fazer uma festa, vai? - a careta em meu rosto é inevitável.

- Dessa vez eu consegui a convencer de que não era uma boa ideia. - diz ele todo bem-humorado, puxando a alça de minha mala e tirando um molho de chaves do bolso - É só isso?

Stained PastOnde histórias criam vida. Descubra agora