Três - A inevitável dança

410 79 32
                                    


꧁꧂



− Não está sorrindo, princesa? − Sales comentou, com uma curva debochada nos lábios. Ela paralisou, dando-se conta de que sorrir amigavelmente nunca fora o forte dele. − Que mal lhe acometeu?

− O que isso quer dizer? − Kilian interveio, ríspido. O que fez com que todos os olhares, incluindo o do imperador, se voltassem para ele.

− Não quer dizer nada − anunciou o pai do menino, que logo se virou para dirigir-se ao filho. − Não aprendeu nada sobre ser cortês?

− É claro que sim, meu pai − sorrindo assimetricamente, fez pouco caso da repreensão. − Eu só estava brincando com Karen. Ela sabe, não é?

− Cla-claro − concordou a moça, olhando para as mãos. Kilian franziu o cenho, desaprovando aquela interação entre o casal, cujo destino ele ajudara a traçar.

Decidiu chamar a atenção da irmã para algo que não fosse o príncipe e assim, talvez, aliviar a tensão entre os dois. Tocando com delicadeza em suas costas, deu-lhe um beijo no rosto, o que fez Sales desviar o olhar, constrangido pela demonstração de afeto. Karen sorriu para ele, agradecida.

Ela sabia que aquela era uma forma do irmão demonstrar o quanto ela era amada por ele.

E como deveria ser tratada.

− Você já escolheu sua parceira para a primeira valsa? − perguntou a princesa, aproveitando a trégua entre os dois.

− Ainda não − respondeu, entediado. − Quem você me sugere?

Karen olhou ao redor e sentiu pena das expressões de expectativa das moças solteiras do recinto.

Nenhuma delas, ela sabia, interessaria a Kilian por mais de uma noite, embora o que ela mais desejasse fosse que ele finalmente se apaixonasse por alguém. Bom, isso era o que ela costumava desejar, antes que ele tirasse a sua chance de se apaixonar.

Passando os olhos pelas moças, seu olhar bateu na condessa Leila, e antes que pudesse sugerir qualquer coisa, Kilian sussurrou que não tinha "a menor chance". Ela sentiu uma pontada de pena, embora soubesse que a condessa livre durante a valsa, era tudo que seu primo, o duque, gostaria de ter.

− O que acha da lady Ítala? Filha do Conde de Valverde?

− Não a lady Ítala, Karen − respondeu, repreendendo-a por conhecer suas intenções. − Nada vai acontecer entre nós que não tenha acontecido naquele verão. Você gostaria que eu lhe desse falsas esperanças?

– Está bem. Desculpe-me − aceitou, enquanto corria os olhos por elas mais uma vez. − A princesa Sofia! Ela não vem a muitos bailes meus.

Kilian revirou os olhos. A princesa Sofia Bragança se atrevia a usar verde. Eles sequer se conheciam de verdade. E ela era infinitamente mais nova do que ele. Era quase da idade de Karen, o que, pensando bem, era ideal para evitar expectativas. Ninguém acharia que Kilian estivesse procurando por uma segunda filha.

− Só você mesmo, irmãzinha, para me fazer dançar uma valsa com a filha daquele homem − comentou, referindo-se ao rei de Nova Mariana, a quem assumidamente repugnava. − Vamos descobrir se algo de bom vem daquela nação, afinal. Ainda que sejam, ao menos, bons modos.

Karen observou o irmão se aproximar da princesa, cuja expressão era de pura perplexidade. Tomando-a pela mão, ele convidou-a para dançar. A moça assentiu, empolgada, e Karen pode ouvir quando o rei ofereceu a ela "minutos de trégua" entre seus países. A jovem não hesitou por um minuto sequer.

− Então ele está aí, embora tímido − uma voz rouca soou às suas costas, fazendo com que ela voltasse a realidade. Num passe de mágica, o sorriso que começava a esboçar, desaparecera. – Concede-me esta dança?

Ela aceitou, graciosamente, repetindo diversas vezes o exercício de respiração de sua mãe. Tomada pela mão, foi levada pelo príncipe até o centro do salão, onde se uniram ao irmão e à princesa Sofia.

Sales se posicionou a sua frente, imponente como um gigante. Tomou-a pela cintura, e ela repousou as mãos em seu peito.

Por alguns segundos, teve a impressão de que o ritmo cardíaco dele estava mais acelerado do que o normal, mas não tinha certeza se era mesmo isso o que de fato sentira ou se, na verdade, a velocidade da pulsação de seu próprio sangue a deixava confusa.

Karen espiou por cima dos ombros dele, na medida em que conseguiu fazê-lo, imaginando como o príncipe mais novo seria, provavelmente, mais adequado para ela.

Além de menor e mais delicado, Roque era infinitamente mais amigável que o irmão. Ele observava com simpatia, enquanto os dois dançavam.

Toda a brutalidade de Sales, contudo, não o fazia um mau dançarino. O rosto dele estava próximo ao seu pescoço e sua transpiração causava nela uma cócega incomum.

Os pelos de seu braço se arrepiaram um pouco e ela agradeceu por ter mantido em seu vestido as mangas compridas. Em dado momento, o príncipe afastou a cabeça para passar seus olhos cor-de-caramelo sobre ela, e sussurrou, com a típica voz enrouquecida:

− Você está linda hoje.

A jovem fitou-o por um minuto inteiro, demorando a se dar conta de que estava paralisada. Tentou processar o significado do calor que surgiu em suas vísceras ao som dessas palavras, e acabou levando mais tempo do que o habitual para agradecer.

Com isso, pôde reparar em Sales pela segunda vez e constatar que o rosto dele, quando observado assim, tão de perto, parecia mais bonito do que se lembrava.

O queixo quadrado do rapaz, o fazia parecer ter bem mais do que dezenove anos de idade. Talvez isso fosse acentuado ainda mais pelos traços fortes. Seu nariz era largo e levemente arredondado, enquanto os lábios eram carnudos, contrastando com os seus, tão finos.

Era impossível que ela deixasse de pensar naquela boca sobre a sua. Se seria macia e no gosto que teria.

− Você está bem? − perguntou o príncipe, olhando profundamente dentro de seus olhos castanhos.

Karen confirmou com a cabeça, começando a pensar que aquela valsa não seria tão ruim assim, afinal. Ele era bom dançarino e a guiava com destreza. Ocasionalmente, acabou notando também que seu perfume não era de todo mal.

Todas as suas ações até agora indicavam que ele poderia ser mais agradável do que a princesa contava. Ainda assim, ela sabia, era cedo demais para conclusões quaisquer.


꧁꧂

O Filho do ImperadorOnde histórias criam vida. Descubra agora