Um - O conselho de uma amiga

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Kilian vira o pai reinar por poucos anos. Onze, para ser exato. Nesse tempo, contudo, acompanhara cada um de seus passos.

Era como se o destino ou algo sobrenatural – se acreditasse nesse tipo de superstição – o preparassem para reinar desde muito novo.

O jovem rei acabou ganhando o coração de seu povo, ao erradicar a Peste do reino, quando negociou com o Império de Lima, a vacina que havia sido desenvolvida em seus laboratórios.

Eles não tinham apenas a prevenção para o que chamavam de Grande Mal, como também sua cura.

Karen sabia que haveria um preço para aquilo. Mas nunca havia imaginado que o preço seria ela. Por favor, aquilo nem fazia sentido. Não poderia, nem em mil anos, imaginar porque o filho do imperador desejaria se casar com a filha mais nova de um reino tão pequeno quanto o dela.

Quando finalmente secou as lágrimas, a princesa dirigiu-se até o espelho, encarou o próprio reflexo e não conseguiu evitar que o queixo caísse diante da imagem que encontrou. Os olhos estavam vermelhos e inchados, como não ficavam desde o pior ano de sua vida.

Ela tinha apenas nove anos quando seus pais adoeceram, acometidos pela peste.

Quando eles se foram, Kilian se tornara tudo o que tinha. Nunca imaginou que chegaria o dia em que ele iria querer livrar-se dela com tão pouca dificuldade.

Usou seu lenço branco com as bordas douradas para tentar dar um jeito em sua aparência, mas logo se arrependeu, ao lembrar-se do que aquelas cores representavam.

Eram as cores da bandeira de Lima. Cores as quais ela começava a odiar.

Lembrou-se das viagens que fizeram em família para o império e das vezes em que se encontrou com o príncipe Sales. Ele sempre fora cortês, embora pouco interessado em sua vida ou na de seu irmão.

Eles se conheciam há tantos anos e ao mesmo tempo não sabiam nada um do outro. Ela deveria ter suspeitado, quando Kilian adiantou o baile, que algo estava fora do comum.

Sempre faziam sua viagem para Lima antes do evento, mas este ano seria diferente. Havia um motivo encoberto o tempo inteiro, do qual era jamais desconfiara.

Quanto mais a princesa pensava sobre o assunto, digerindo essa epifania, mais amargura sentia por ser a pessoa menos informada sobre o rumo da sua própria vida.

De repente, ainda perdida em seus devaneios, escutou o som de um pequeno sino, indicando que alguém solicitava entrar na biblioteca.

Quando viu o mordomo abrir a porta, não imaginou que seria a condessa Leila Maia, sua única amiga, quem seria anunciada.

− Mande-a entrar, Davi − solicitou ao criado, que era ainda mais jovem que seu irmão. − Por favor.

Uma saia de chifon verde, no tom idêntico ao da farda do rei, se estendeu pela tapeçaria.

Leila entrara magnífica, com seus pesados cabelos castanhos soltos sobre os ombros. Apesar de saber que de fato ela era, tecnicamente, sua única amiga, Karen ficava cada vez menos feliz ao encontrá-la.

Há muito tempo desconfiava que o apreço que a condessa sentia por ela era puramente oportunista. Bastava que Kilian estivesse no recinto para que a princesa se tornasse invisível para ela.

Naquele momento, entretanto, Karen preferiu acreditar que a condessa estivesse genuinamente preocupada com seu bem-estar. Mas não conseguiu sustentar a hipótese por mais de um minuto.

− Olá, Vossa Alteza Maravilhosa − cumprimentou, com uma doçura massivamente forçada. − Sua Majestade me disse que estaria aqui.

− Então já o encontrou? – Controlou-se para não revirar os olhos. − Espero que ele esteja se divertindo no meu baile.

− Karen! − Sentou-se ao seu lado, impaciente. − Estamos todos esperando você para a valsa! O príncipe Sales está lá. Como pode deixar passar uma oportunidade como essa?

Karen tinha certeza, sem que ninguém precisasse lhe contar, que aquela era uma oportunidade a qual a condessa jamais desperdiçaria, caso tivesse a chance.

Analisando melhor, a valsa era, inclusive, uma boa explicação para que ela viesse à sua procura. Kilian precisava escolher um par para a primeira dança e só faria isso quando a irmã estivesse presente. Contudo, ela podia prever que a escolha dele não seria Leila.

Nunca era Leila.

Levantando-se, a princesa compreendeu que não teria como escapar daquela noite, de modo que consertou o vestido para, enfim, juntar-se aos convidados.

Estava prestes a alcançar a condessa quando, passando em frente ao espelho, ao fitar o próprio reflexo, uma ideia lhe ocorreu.

− Leila − chamou, fazendo a amiga, que já estava na porta, voltar sua atenção para ela. − Faça-me um favor. Vá na frente e diga que já estou chegando. Preciso passar em meus aposentos.

A condessa concordou, satisfeita, fazendo umareverência rápida, por educação.

Quando ela saiu, Karendirigiu-se rapidamente para o quarto, a fim de colocar o plano em prática.

Kilian podia querer livrar-se da irmã − o que o tornava uma decepção para ela −mas não iria conseguir isso tão fácil quanto pensava.

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O Filho do ImperadorOnde histórias criam vida. Descubra agora