Prólogo

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De pé, ao lado da lareira que nunca fora acesa, Kilian segurava uma taça de vinho branco com uma das mãos. 

O polegar da outra estava apoiado sobre a mandíbula, sustentando os dois dedos que usava para esfregar a têmpora. O cenho franzido indicava que algo o incomodava. Não dava para saber ao certo se era alguma dor física ou apenas aborrecimento. 

Ele vestia o traje verde de gala, que tradicionalmente usava nos bailes de aniversário da irmã.

Uma janela estava entreaberta atrás de Karen. Assim as cores do crepúsculo invadiam o ambiente e, refletindo sobre a pele do rosto do rapaz, tornavam o rubor causado pela raiva que ele sentia por ela naquele momento ainda mais intenso.

Durante longos minutos a moça observara, paralisada, o movimento da luz sobre a face dele. 

A fina cortina de organza branca que cobria todas as janelas do recinto era impulsionada pelo vento, aumentando e diminuindo a intensidade das cores que ousadamente adentravam aquele que era seu lugar preferido no castelo, a biblioteca real.

Os lábios de seu irmão transformaram-se em uma linha após terem discutido tão fervorosamente e ela pôde notar que ele frequentemente contraía a mandíbula por baixo da camada vermelha de pele. 

Todo aquele silêncio que se instaurara entre os dois começava a fazer com que ficasse inquieta. Não conseguia imaginar o que se passava pela cabeça dele, mas sem dúvidas, era algo sobre o qual ela odiaria tomar conhecimento.

Kilian não lidava bem com desafios e contestações, tampouco a jovem era boa em fazê-los. Nunca houvera desafiado o irmão até agora. Não por falta de força, o que ela tinha convicção, mas porque nunca teve um motivo real para fazê-lo.

Ele a criou da melhor forma que pôde, e a garota sabia disso. Apenas oito anos de idade separavam os dois, o que determinava a Kilian exatos dezessete anos de vida quando seus pais morreram. Karen seria eternamente grata a ele pela dedicação e zelo que dispensou a ela, enquanto era apenas uma criança.

Ainda assim, não parecia coerente que, naquela nação do Novo Mundo, a qual justamente se diferenciava de muitas outras no que se referia ao direito das mulheres, justo sua única princesa fosse obrigada a se casar com um desconhecido por questões políticas.

O que a tornava diferente das outras meninas, que poderiam seguir o rumo de suas vidas como bem entendiam, afinal?

− É tão difícil para você entender que eu precisei me comprometer? − o rei repetiu a mesma pergunta, pela terceira ou quarta vez, voltando-se para Karen.

A jovem mal podia acreditar nas palavras que ouvia. Todo esforço que fizera até agora, tentando se fazer entender pelo irmão, cada palavra que usou para argumentar, pareciam não ter surtido efeito algum sobre sua consciência. 

Ele estava exaustivamente irredutível, entretanto, ela se recusava a aceitar − conhecendo Kilian − que ele realmente seria capaz de submetê-la a um acordo tão absurdo.

− Este é o ponto − afirmou, em tom de súplica. − Você não vê, meu irmão? Não comprometeu a si mesmo, mas a mim.

O jovem rei não era de todo insensível. No fundo, aquele desespero de Karen para livrar-se da obrigação que lhe impusera, fazia seu coração pesar. Embora não o suficiente para convencê-lo a voltar atrás.

Kilian esfregou os olhos, sem soltar sua taça. Em seguida, passou a mão pelos cabelos negros e encarou-a com o rosto sombrio, antes de declarar:

− Karen, pare de se lamentar. É tarde para isso. E completamente inútil − dizendo essas palavras, simplesmente saiu, deixando-a sozinha e em total estado de frustração.

A frieza do irmão a quem sempre havia venerado, causou-lhe um arrepio terrível na espinha. Durante toda sua vida, a princesa teve muitas impressões sobre ele, mas nunca a de que não sentia afeto por ela. Então se sentou lentamente no sofá branco de matelassê em que costumava ler, encarando a taça de vinho, agora vazia, que o rei abandonara sobre a mesa de centro. 

Colocou as mãos sobre os olhos na vã tentativa de livrar-se de seus pensamentos sombrios. A ideia de ser desprezada pela pessoa a quem mais amava no mundo, entretanto, fez com que todo o medo que reprimira até aquele momento transbordasse pelos olhos.

Do outro lado da porta, Kilian apoiava-se de costas, ouvindo os soluços da irmã atravessarem-na e atingirem seu coração como um punhal. 

Ele cerrava os olhos, como se procurasse dentro de si, uma solução para amenizar o sofrimento dela, mas por mais que pensasse, não conseguia compreender de fato o motivo pelo qual ela sentia tanta dor. 

Não era como se Karen estivesse apaixonada por alguém de quem ele a separaria. Jamais poderia imaginar, na ocasião de seu acordo com o imperador, que em momento algum ela se oporia às condições que os dois estabeleceram.

Era simples para ele: qualquer mulher se sentiria lisonjeada por se casar com um rei. Ele sabia disso porque era um. Desde que era apenas uma criança, as meninas lhe davam atenção especial. 

Agora, aos vinte e três anos, não era diferente. Kilian repudiava a ideia de se casar porque sabia que o principal motivo que a maioria de suas pretendentes tinha para desejar tornar-se sua esposa, estava diretamente ligado a coroa que ele carregava. 

Seu pai uma vez lhe disse que o poder era a mais eficiente arma de sedução, e ele sabia do que falava. O jovem rei usava esse conhecimento como uma defesa. 

Recusava-se a se apaixonar e, só por garantia, limitava-se a manter as mais superficiais relações físicas com qualquer mulher que aceitasse seus termos.

Mas Karen, Karen era a luz de sua vida. Tudo em que ele conseguia pensar era no quanto seria sortudo o homem com o qual ela se casasse. 

Sua irmã era delicada, carinhosa e parecia sempre feliz. Desde que perderam seus pais, ela fora o principal motivo para ele permanecer firme. Mais do que todo o reino. 

Agora, ele se sentia a pessoa mais estúpida da face da terra, por sequer imaginar que a moça pudesse não querer se casar com o filho do imperador de Lima. 

Ela seria mulher do homem mais importante do planeta, e a ideia simplesmente não lhe agradava. 

Sua Majestade não sabia ao certo se a raiva que sentia era mesmo da irmã, por ser tão incompreensiva, ou de si mesmo, por simplesmente não a ter consultado antes. Agora, a essa altura do acordo, era tarde demais. Karen teria que obedecê-lo. 

Gostasse ou não.


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O Filho do ImperadorOnde histórias criam vida. Descubra agora