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Eu estava deitada no gramado na campina perto do lago. Encontrei-o ainda no verão, claro e aberto. Havia alguns patos selvagens que eu gostava de observar, eles podiam voar alto no céu, nadar no lago caçando peixes e ainda andar (mesmo que desajeitadamente). Gabavam-se donos do mundo, senhores dos dons táteis.
O mistério da criação lhes havia sido generoso.
A grama alva me cutucava nas costas, meus braços estavam atrás da cabeça servindo-me de travesseiro.
Uma nuvem moveu-se quieta e o sol acendeu em um lado de meu rosto, eu fechei os olhos para sentir o morno calor.
Um sorvete cairia bem.
Minha boca salivou desejosa.
- Ainda com os patos?
A voz de Ben soou de longe para mim e não me movi. Sorri onde estava.
- Você está sem roupas de novo?
Minhas roupas jaziam próximas de mim em um amontoado de flores vermelhas e miúdas, estiquei a mão preguiçosamente e puxei-as para cima de mim, cobrindo minhas formas.
- Sim... que escândalo. – Revirei os olhos por debaixo das pálpebras, tons de vermelhos e laranjas suaves.
Ele riu roucamente e senti que sentava ao meu lado, teve o cuidado de não interferir na minha linha de luz solar.
- Estive pensando... e se você for uma construção da minha mente Serena?
Abri os olhos.
- Se eu for de fato louco de pedra e você for uma alucinação que parte de mim?
Sorri.
- Eu também me perguntaria isso se fosse você... – Pisquei – Talvez eu seja mesmo... Parabéns pela criação, você certamente caprichou nas curvas. – Ri alto.
Ele suspirou aborrecido.
- Eu esperava que você me ajudasse.
Olhei para ele.
- Você não deve se preocupar, pode até estar maluco, mas não está por completo.
- É mesmo? – Ele levantou uma sobrancelha - Porque diz isso?
Sorri e lhe toquei rapidamente no joelho com afeto.
- A dúvida é um sinal de sanidade.
Ele piscou e sorriu lentamente, como uma pequena fogueira sendo atiçada os poucos.
- Realmente não vemos muitos loucos achando que estão loucos – disse.
- Se pensassem que estão loucos e de fato estivessem, com este pensamento estariam por si só confrontando a própria loucura, portanto estariam sãos. A loucura seria ilusão, e bom... o que seria a sanidade então?
- Maldição Serena... somos ou não loucos então? – Perguntou, agora sorridente mas mantendo as sobrancelhas fincadas de modo quase teatral.
Ri alto:
- Eu não faço ideia Benjamin
Ele deu de ombros derrotado e começou a tirar os sapatos polidos e as meias. Espremeu os pés descalços contra a grama e deu um suspiro quase imperceptível de prazer. Meu coração amou.
Nós ficamos em silencio por vários minutos preciosos de quietude.
- Ontem vi você no cemitério... – Ele falou baixinho e pude notar as notas gentis bem calculadas em sua voz.
Meu estomago embrulhou-se, e uma garra fria apertou meu coração.
- Fantasma, lembra?
Ele revirou os olhos.
- Como está indo?
Ri pelo nariz e minha voz saiu áspera, como se a garganta fosse pequena para todo o seu tamanho:
- Ela não está mais indo, parou, como tudo que morre!
Uma coisa nova se moveu por mim, gelada e anestésica, freou os bons sentimentos, e estabeleceu-se em minhas veias deixando-me oca, eu engoli em seco.
Amargor.
Eu lutei para afasta-lo, mas seu peso me confrontava diretamente empurrando-me para baixo. Minha respiração acelerou como a de um pássaro em aflição com a asa quebrada. Por fim sentei no gramado, trêmula e triste.
Ben olhava para mim, ele entendia que alguma batalha estava sendo travada, sua mão deslizou para a minha e eu apreciei a reciprocidade de sentir o toque humano.
Ele pode sentir.
Havia calma em sua mão, meus dedos tateavam-na com desespero, contrariando-o.
Nós não falamos nada, não havia o que falar.
Eu tentava aceitar a extinção de consciências, mas aceitar não remete a dor, agonia ou amargor.
Aceitação é uma conclusão difícil de se obter.
É como compreender que durante a noite não há luz do dia. Somente é assim.
Não sei chorar pelo que é triste.
Pensei que se chorasse talvez caminhasse mais rápido para lá, mas era incapaz.
Tristeza seca.
Pensei em Clara, a bela dos raios solares.
Rodopiando nos corredores em dias bons.
Lambuzada de pudim de chocolate e o sorriso que enchia seu rosto pequeno e quase fazia seus olhinhos fecharem por completo.
Nunca precisarei de olhos para vê-la.
Eu tenho a mim, e tenho Ben neste momento. Tenho a luz do sol e os patos senhores da terra, tenho a grama macia e esparramada; o ar de outono em meu rosto, as arvores charmosas e avermelhadas e terei todo o sorvete do mundo em um futuro bem próximo. E tenho Clara. E ela sempre me terá.
Eu sorri para a tristeza e acenei um adeus por agora.
A chegada é feita de primeiros passos.
Ben percebeu a mudança.
- Ótimo... – Ele disse - Tenho que lhe fazer um pedido.
Apertei seus dedos lhe dizendo assim que prosseguisse:
- Que tal ir amanhã visitar o Mar comigo?
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A Longevidade das Borboletas.
Romance"Á oeste, via a figura que para mim representava toda a insignificante e tão cheia de pequenos significados razão de minha existência minúscula se pôr em vermelho. Não é o sol quem foge, é a terra que insiste em pernoitar na escuridão, e nessa noite...