9 - Sanidade duvidosa.

12 5 0
                                    


                                                             ⊱───────⊰✯⊱───────⊰

       Eu estava deitada no gramado na campina perto do lago. Encontrei-o ainda no verão, claro e aberto. Havia alguns patos selvagens que eu gostava de observar, eles podiam voar alto no céu, nadar no lago caçando peixes e ainda andar (mesmo que desajeitadamente). Gabavam-se donos do mundo, senhores dos dons táteis. 

       O mistério da criação lhes havia sido generoso.

      A grama alva me cutucava nas costas, meus braços estavam atrás da cabeça servindo-me de travesseiro.

      Uma nuvem moveu-se quieta e o sol acendeu em um lado de meu rosto, eu fechei os olhos para sentir o morno calor.

      Um sorvete cairia bem.

      Minha boca salivou desejosa.

      - Ainda com os patos?

      A voz de Ben soou de longe para mim e não me movi. Sorri onde estava.

      - Você está sem roupas de novo?

      Minhas roupas jaziam próximas de mim em um amontoado de flores vermelhas e miúdas, estiquei a mão preguiçosamente e puxei-as para cima de mim, cobrindo minhas formas.

      - Sim... que escândalo. – Revirei os olhos por debaixo das pálpebras, tons de vermelhos e laranjas suaves.

      Ele riu roucamente e senti que sentava ao meu lado, teve o cuidado de não interferir na minha linha de luz solar.

      - Estive pensando... e se você for uma construção da minha mente Serena?

      Abri os olhos.

       - Se eu for de fato louco de pedra e você for uma alucinação que parte de mim?

       Sorri.

       - Eu também me perguntaria isso se fosse você... – Pisquei – Talvez eu seja mesmo... Parabéns pela criação, você certamente caprichou nas curvas. – Ri alto.

      Ele suspirou aborrecido.

      - Eu esperava que você me ajudasse.

      Olhei para ele.

       - Você não deve se preocupar, pode até estar maluco, mas não está por completo.

       - É mesmo? – Ele levantou uma sobrancelha - Porque diz isso?

       Sorri e lhe toquei rapidamente no joelho com afeto.

      - A dúvida é um sinal de sanidade.

       Ele piscou e sorriu lentamente, como uma pequena fogueira sendo atiçada os poucos.

      - Realmente não vemos muitos loucos achando que estão loucos – disse.

       - Se pensassem que estão loucos e de fato estivessem, com este pensamento estariam por si só confrontando a própria loucura, portanto estariam sãos. A loucura seria ilusão, e bom... o que seria a sanidade então?

      - Maldição Serena... somos ou não loucos então? – Perguntou, agora sorridente mas mantendo as sobrancelhas fincadas de modo quase teatral.

      Ri alto:

      - Eu não faço ideia Benjamin

       Ele deu de ombros derrotado e começou a tirar os sapatos polidos e as meias. Espremeu os pés descalços contra a grama e deu um suspiro quase imperceptível de prazer. Meu coração amou.

      Nós ficamos em silencio por vários minutos preciosos de quietude.

      - Ontem vi você no cemitério... – Ele falou baixinho e pude notar as notas gentis bem calculadas em sua voz.

       Meu estomago embrulhou-se, e uma garra fria apertou  meu coração.

      - Fantasma, lembra?

       Ele revirou os olhos.

        - Como está indo?

        Ri pelo nariz e minha voz saiu áspera, como se a garganta fosse pequena para todo o seu tamanho:

       - Ela não está mais indo, parou, como tudo que morre!

        Uma coisa nova se moveu por mim, gelada e anestésica, freou os bons sentimentos, e estabeleceu-se em minhas veias deixando-me oca, eu engoli em seco.

        Amargor.

       Eu lutei para afasta-lo, mas seu peso me confrontava diretamente empurrando-me para baixo. Minha respiração acelerou como a de um pássaro em aflição com a asa quebrada. Por fim sentei no gramado, trêmula e triste.

      Ben olhava para mim, ele entendia que alguma batalha estava sendo travada, sua mão deslizou para a minha e eu apreciei a reciprocidade de sentir o toque humano.

       Ele pode sentir.

       Havia calma em sua mão, meus dedos tateavam-na com desespero, contrariando-o.

       Nós não falamos nada, não havia o que falar.

       Eu tentava aceitar a extinção de consciências, mas aceitar não remete a dor, agonia ou amargor.

       Aceitação é uma conclusão difícil de se obter.

       É como compreender que durante a noite não há luz do dia. Somente é assim.

       Não sei chorar pelo que é triste.

       Pensei que se chorasse talvez caminhasse mais rápido para lá, mas era incapaz.

       Tristeza seca.

        Pensei em Clara, a bela dos raios solares.

        Rodopiando nos corredores em dias bons.

        Lambuzada de pudim de chocolate e o sorriso que enchia seu rosto pequeno e quase fazia seus olhinhos fecharem por completo.

        Nunca precisarei de olhos para vê-la.

        Eu tenho a mim, e tenho Ben neste momento. Tenho a luz do sol e os patos senhores da terra, tenho a grama macia e esparramada; o ar de outono em meu rosto, as arvores charmosas e avermelhadas e terei todo o sorvete do mundo em um futuro bem próximo. E tenho Clara. E ela sempre me terá.

       Eu sorri para a tristeza e acenei um adeus por agora.

       A chegada é feita de primeiros passos.

       Ben percebeu a mudança.

       - Ótimo... – Ele disse - Tenho que lhe fazer um pedido.

        Apertei seus dedos lhe dizendo assim que prosseguisse:

       - Que tal ir amanhã visitar o Mar comigo?


                                                           ⊱───────⊰✯⊱───────⊰


      Gostou do capitulo? Deixe suas impressões nos comentários que eu vou adorar ler!!! <3


A Longevidade das Borboletas.Onde histórias criam vida. Descubra agora