13 - Tutorial sobre como ficar histérica.

3 1 0
                                    


                                                                    ⊱───────⊰✯⊱───────⊰

Eu gostava de sonhar.

Eu quase sempre sabia que estava sonhando, então saia voando por aí, muitas vezes caia e caia até acordar, mas em outros adentrava todo o meu retorcido e misterioso inconsciente.

As vezes sentia que estava perdida (ou achada) tão lá no fundo que o que era real ficava confuso.

E eu comecei a tremeluzir na realidade.

Afinal, o que é real?

Realidades são forjadas a partir do que acredita-se ser real.

Mas, e mesmo o mundo material, porque há mais crença em sua realidade do que no que é formado pela mente humana? Porque o real é ligado ao possível? Ao plano do mundo físico? Porque o impossível é irreal? E se é possível dentro da mente humana, então, assim não seria real?

Santa hipocrisia!

Seria.

É.

Criamos uma realidade objetiva. O subjetivo é excluído.

Real é considerado o que todas as pessoas enxergam, sentem e tocam. Porém, não há como espionarmos a mente alheia, então como saberes se o que ela vê é exatamente da forma como vemos?

Somos os únicos espectadores de nós mesmos. E nenhum de nós é igual, e disso sabemos.

A realidade é um palpite. Um palpite que nos foi ensinado a pensar ser o nosso.

Desconstruí-me e tentei buscar em meus próprios pensamentos tudo o que no mundo material passou despercebido.

O problema é que tenho pensamentos demais.

*******

As conversas banais começaram a se tornar o centro de tudo para mim. A atenção de receber um ''bom dia'' automático apenas porque por acaso alguém passou por um conhecido no corredor era tudo o que queria ouvir.

Eu queria que o seu Jorge da banca de frutas me oferecesse uma maça, e queria levar café para outra pessoa porque ela me pediu. Queria entender outras pessoas a partir de conversas, queria ter uma avó que assa bolos de cenoura e chocolate como ouvi nos corredores.

Houve um dia em que algo esquentou em meu peito quando saia do banheiro.

Eu acabara de ver a idosa do primeiro turno de limpeza, a Senhora Zélia cair de tal modo no chão que quebrará uma das pernas e metade de seu rosto estava danificado. O som seco de seu osso se partindo ecoou em meus ouvidos. Ela não gritava ou falava, mas emitia engasgos mudos e os olhos permaneciam vidrados.

Eu quis tanto ajuda-la.

E não pude.

Quando a levaram eu estava paralisada no chão com o indicador tocando o sangue endurecido deixado por ela.

O formigamento em meu corpo era excruciante, eu precisava tira-lo de mim ou morreria afogada em raiva.

Isso não é raiva.

Isso é ódio.

Fantasma.

Inútil.

Será sempre engraçado como o que almejaremos serão coisas que nos sãos impossíveis.

Não lembro quando me levantei e nem quando decidi socar a vidraça.

O som do vidro quebrando me despertou.

Segundos depois senti a dor pulsar por meus dedos agora vermelhos em pequenos pontos onde vários cortes miúdos haviam se aberto, as juntas escurecendo.

Eu ri em histeria. Toda a raiva diluída.

A mão pulsando, a dor sentida.

Eu percebi-me.

E estava complemente assustada.

Senti-me vazia e inquieta, esse tipo de sentimento machucava-me como nenhuma dor física seria capaz. Esvaziava-me da vida, deixava-me nua e ferida no escuro.

Fui lentamente até a ala na enfermaria da universidade e amarrei algumas ataduras na mão.

Tudo ficará bem, é preciso ter fé, é preciso querer.

Respirei com calma enquanto sentia os pulmões contraírem-se profundamente.

Quando sentei-me no parapeito de uma das janelas da Sala de Debates para sentir o vento olhei para as manchas de sangue no tecido branco que cobriam meus ferimentos e não pude deixar de notar que assim como qualquer outro humano, eu também sangrava.

E isso era maravilhoso.



A Longevidade das Borboletas.Onde histórias criam vida. Descubra agora