Capítulo Um

73 6 0
                                    

Eros

Dois mil e Setecentos anos depois, Século XXI.

     O cheiro de algo que prometia ser delicioso preencheu o ar e o som de vozes familiares me fez quase correr em direção a elas. Havia passado os últimos cinco anos longe de minha família, e só percebi o quanto senti falta deles ao chegar. Já podia imaginar Harmonia irritando nossa mãe, o sorriso calmo de nosso pai e de Pandora praticamente discursando sozinha sobre o último livro que ela havia lido assim que tivesse uma oportunidade.

     Entrei em silêncio na cozinha. Ambos os dois estavam de costas para mim, mas Harmonia foi a primeira a me ver, um sorriso amplo surgiu em seu rosto acompanhado pela surpresa em seus olhos. Fiz sinal para que ela não falasse nada, ela acenou com a cabeça, mas continuou sorrindo, não que nossa mãe fosse perceber, estava concentrada demais observando seu marido cozinhar. Próximo ao fogão, Hefesto mexia algo, concentrado no que quer que estivesse cozinhando.

     — Por Gaia, mulher, pare de olhar para a bunda de nosso pai! — Ela pulou da cadeira assustada, enquanto as panelas eram esquecidas pelo deus do fogo.

     — Eros! — Não tive tempo de responder, ela já havia se lançado em meu pescoço, acompanhada por minha irmã. — Por que não disse que viria?

     — Não mude de assunto, dona Afrodite. Eu sei para onde você estava olhando. — Disse semicerrando os olhos e ela sorriu, o tipo de sorriso que seria acompanhado por uma resposta repleta de malícia.

     Ou teria sido, se não tivesse sido cortada por Harmonia.

     — Mãe, por favor. — A deusa da beleza soltou o ar ofendida.

     — Eu não disse nada!

     — Mas pretendia.

     — Culpe seu irmão. — Ela sorriu para nós dois lançando um breve olhar para nosso pai. — Ele não pode querer que eu pare de apreciar uma vista tão... Esplêndida.

     Não pude evitar rir. Nada nesse mundo seria capaz de fazer com que esta deusa do Olimpo em específico abandonasse o uso de malícia em cada frase que saía por sua boca. Era apenas imparável, como uma força da natureza.

     — Por quanto tempo pretende ficar? — Nosso pai perguntou, mas não tive tempo de responder ou sequer falar algo, como sempre acontecia quando minha mãe e irmã estavam por perto.

     — Como assim quanto tempo? É claro que ele não pretende ir novamente. Estou certa, não estou, Eros?

     — É, você não pode sair por aí de novo, tem que ficar com a gente! — Harmonia foi para o lado de nossa mãe.

     Ambas me encaravam com expectativa. Um par de olhos azuis e outro rosas. Uma cabeleira castanha acobreada rebelde e o loiro platinado e impecável da deusa do amor. Harmonia havia herdado a estatura alta de nosso pai, assim como todo o resto, mas as duas ali, lado a lado, os olhos brilhando, era impossível não perceber que eram mãe e filha, mesmo com a lista de diferenças físicas que compartilhavam.

     — Eu acabei de chegar. É claro que não pretendo ir embora tão cedo. — Elas deram pulinhos de alegria e se jogaram de novo em cima de mim, dessa vez quase me levaram ao chão.

     O restante da noite se resumiu a elas me enchendo de perguntas — e queixas, muitas queixas sobre minha falta de respostas as suas mensagens. — Hefesto também fazia algumas, mas apenas quando não era interrompido por uma delas, o resto do tempo ele parecia satisfeito em apenas observar a animação das duas. Perguntei de Pandora, esperava encontrá-la hoje, mas ao que parecia, ela estava ocupada com algo, algo que ninguém sabia ao certo o que era, mas que a fazia sair todos os dias nos mesmos horários, pela manhã e pela noite. Séculos se passaram e ela continuava com seus segredos.

Eros & PsiqueOnde histórias criam vida. Descubra agora