|Capítulo 3|

53 11 13
                                    

Hoje em dia as pessoas superestimam a ausência paterna e materna

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Hoje em dia as pessoas superestimam a ausência paterna e materna. Quantas vezes já vi meus colegas felizes e entusiasmados porque os pais iriam viajar no fim de semana. Ao contrário deles, eu sentia muito quando os meus partiam a trabalho. Claro que não era tão sofrido quanto meu irmão fez parecer em frente à diretora Matilde, mas sim, estar longe deles era bem ruim.

— Eva, eu ‘tava pensando aqui, será que se a gente mudar a posição dos instrumentos, a acústica da garagem não fica melhor? Assim o som bate na parede e volta — disse Douglas, enquanto eu conectava um HDMI no notebook e na TV que transmitia as letras das músicas novas.

— Pode ser que sim. — Tombei a cabeça para o lado e tentei vislumbrar uma maneira de mudar as coisas de lugar sem precisar mexer demais na parte elétrica. — Amanhã eu vejo isso com calma, vou ligar para o meu pai mais tarde, ele entende mais dessas coisas do que eu. — Sorri, entretanto, quando falei do meu pai, meu tom de voz esmoreceu.

— Com o tempo você acostuma. — Douglas estava abaixado, desenrolando uma extensão.

Olhei para ele, confusa.

— Com esse lance de trabalho dos pais. Os meus trabalham aqui, mas eu mal os vejo. Tanto tempo nisso que me acostumei — ele disse e deu de ombros.

— Eu nunca me acostumo — retorqui.

— Olha, se te serve de consolo, eu queria ter alguém que dividisse a casa comigo. Você tem o Edu.

Fui obrigada a concordar, voltei a olhar a tela do notebook e me concentrei no que estava fazendo antes. Depois de alguns minutos, escutei o barulho da campainha.

— Edu, atende aí! — gritei, pois ele estava na sala, era mais fácil.

Ouvi passos no corredor e logo a imagem colorida e alegre de Leda apareceu na entrada interna da garagem. Revirei os olhos com a cabeça voltada para baixo e em seguida me levantei.

— Que bom que veio.

— Vai ser legal ouvir os meninos. — A moça deixou a bolsa de pano que carregava, sobre um banquinho de madeira no canto e deu uma volta entre os instrumentos e o equipamento de som. — Nossa, isso aqui é incrível — falou rodopiando no meio do tapete vermelho que cobria o chão.

— Antes de eu ajudar os rapazes, era só uma garagem feia, escura e fedendo a óleo — comentei.

— Você é ótima com isso. — Ela passou os dedos sobre a bateria de Douglas e ele me encarou.

— Depois eu explico — murmurei sem som, e ele balançou a cabeça em negação.

Mais passos no corredor, dessa vez eram mais firmes e pesados, o cheiro dele chegou primeiro que sua presença, o shampoo de coco e o perfume de frutas tropicais. Sim, era Tiago.
Sua surpresa ao ver a alegria personificada na nossa garagem foi tão grande, que ele parou na porta por alguns segundos enquanto ela abanava os dedos cumprimentando-o.

— Leda — disse o rapaz, com o cenho franzido.

— Eu a chamei pra ver o ensaio hoje — falei chamando sua atenção para que não passasse vexame.

Ele me encarou com os olhos arregalados e depois caminhou até ela.

— Não me mandou nenhuma mensagem dizendo que estaria aqui — disse.

— Ah. SURPRESA! — falou como se ele só a houvesse visto naquele instante e gesticulou com os braços abertos.

— Bem — eu disse e me aproximei do que eu imaginava ser um futuro casal. — Já está tudo no devido lugar. Só passa voz aí, Tiago, pra eu poder deixar no ponto — falei e me aproximei do aparelho de som.

Depois dos testes, os meninos entraram em suas posições e eu sentei com minha mais nova “amiga” em frente o show particular.

— Você sempre assiste o ensaio inteiro? — Leda questionou.

— Sim — respondi, encarando meu irmão que tocava os primeiros acordes da música em sua guitarra.

— Deve gostar muito deles, e eles de você.

— É... — falei. — Os meninos são os amigos que eu tenho.

Depois de quase meia hora de ensaio, os rapazes pararam para beber água e essa foi a deixa para que eu pusesse meu plano em prática.

— Ti, vem cá — pedi e ele o fez. — O que vocês acham de nós três sairmos pra dar uma volta depois do ensaio?

— Não posso — disse Leda. — Prometi ao meu irmão que voltaria pra casa assim que acabasse pra ajudá-lo com o teste de redação. Ele é um gênio da física, um burro em gramática — disse e riu.

Ela se referia ao irmão gêmeo, Marco.

— Além do mais, ele não gosta de ficar sozinho em casa. Nossos pais hoje foram jantar pra comemorar o aniversário de casamento.

O que eu estava prestes a fazer faria Tiago me dever favores por dois anos inteiros.

— Chama ele pra ir com a gente.

Bem, meu plano inicial era ir com os dois, inventar um desculpa para ir embora mais cedo e deixá-los a sós, mas com essa mudança de situação, o plano passou a ser: puxar o máximo de conversa possível com Marco para que os dois que sobrassem ficassem mais próximos. Não poderia dar errado, poderia?

— Vou ligar pra ele, Eva. — Leda se levantou, pegou o celular na bolsa e saiu em direção ao corredor.

Ficamos parados observando a garota serelepe se afastar.

— Tem certeza? — Tiago sussurrou e se sentou onde antes a moça estava. — Aquele cara é um mala.

— Está tudo sob controle. — O encarei. — Qualquer coisa eu invento uma dor de barriga.

— Não precisa disso, Eva.

— Eu disse que iria te ajudar, é o que eu pretendo fazer. Agora você me escuta aqui. — O puxei pelo braço. — Colabora comigo, eu estou fazendo de tudo, mas não posso pegar a língua dela e enfiar na sua boca. Tenha atitude! — O soltei.

— Ele vai — disse Leda, aparecendo do corredor enquanto sacudia o telefone.

Sorri mesmo sabendo que provavelmente seria a noite mais tediosa da minha vida. Infelizmente foi pior do que eu pensava.

Minha pequena Eva Onde histórias criam vida. Descubra agora