Elas não conversaram na volta para casa

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Elas não conversaram na volta para casa.

Normani passou o dia todo pensando num jeito de se livrar da aluna nova.

Trocar de lugar era a única saída. Mas trocar para qual lugar? Não queria ter que se impor sobre ninguém. E até o fato de trocar de lugar chamaria a atenção de Ashton.

Normani esperava que Ashton dissesse alguma coisa estúpida assim que ela deixasse a menina se sentar, mas o garoto apenas voltou a falar de kung fu. Mani, a propósito, sabia bastante sobre kung fu. Porque seu pai era obcecado por artes marciais - e não porque sua mãe parecia uma negra mestiça de asiáticos quando sorri e seus olhos se fazem duas linhas finas -, Normani e o irmão mais novo, Khalid, faziam aula de taekondo e capoeira desde que começaram a andar.

Trocar de lugar como? Ela poderia achar um lugar na frente, com o pessoa do primeiro ano, mas isso seria um megaespetáculo de esquisitice. E chegava a dar ódio de pensar em deixar a estranha aluna nova com um lugar só pra ela no fundo do ônibus.

Normani sentiu ódio de si mesma por pensar assim.

Se o pai soubesse que ela pensava assim, iria chamá-la de marica. Bem alto, para variar. Se a avó soubesse, iria dar-lhe um tapa na nuca.

:- Onde estão seus modos? - diria ela. - Isso é jeito de trata alguém que não está com sorte?

Mas Normani nunca tinha sorte - nem status - para dar de graça àquela loira boboca. Tinha o suficiente para evitar confusão. E, apesar de saber que isso era tosco, sentia-se meio grata por gente como essa menina existir. Afinal, pessoas como Ashton e Austin e Ally também existiam e precisavam ser alimentadas. Se não fosse a loirinha, seria outra pessoa. E, se não fosse outra pessoa, seria Normani.

Ashton deixara a situação de lado naquela manhã, mas não faria isso sempre. Encontraria um jeito de tornar a situação humilhante.

Normani até poderia ouvir a avó dizendo:

:- Francamente, filhinha, você está cultivando uma dor de cabeça porque fez uma boa ação na frente das outras pessoas?

Não foi tão boa assim, Normani pensou. Deixou a menina sentar-se, mas foi grosseira com ela. E, quando a menina apareceu na mesma sala de aula de Inglês que ela fazia à tarde, parecia até uma assombração a persegui-la.

:- Diana Jane - disse o Sr. Stessman. - Que nome poderoso. É o nome de uma rainha, sabia?

:- Dinah... - chiou. - Dinah Jane.

:- Parece aquela mais gordinha daquele desenho, Alvin e os esquilos - alguém falou atrás de Normani. Outro aluno riu.

O Sr. Stessman apontou para uma carteira vazia na frente da sala.

:- Estamos lendo poesia, Diana - explicou ele levando seus olhos cor de mel a rolarem. - Jane. Que tal começar a leitura de hoje? - O professor abriu o livro da aluna na página certa e apontou. - Pode começar - disse -, em voz alta. Eu digo até onde deve ler.

A aluna nova fitou o Sr. Stessman como se esperasse que fosse brincadeira. Quando ficou claro que não era - ele quase nunca brincava -, ela começou a ler.

:- "Tive fome todos estes anos". - Alguns alunos riram. Meu Deus, pensou Normani, só Sr. Stessman pra fazer uma gordinha ler um poema sobre comida no primeiro dia de aula.

:- Continue, Diana - pediu o professor.

Ela voltou ao início, o que Normani considerou uma péssima ideia.

:- "Tive fome todos estes anos" - repetiu, ainda mais alto.

"A cada meio dia vim almoçar;

tremendo, aproximei a mesa,

e degustei o curioso vinho.

Tinha visto este sobre a mesa,

quando faminta, vagava sozinha,

olhava às janelas, eis a fartura

que pra mim não podia esperar."

O Sr. Stessman não a interrompeu. Então ela leu o poema inteiro com aquela voz calma e desafiadora. A mesma voz com que encarara a Ally.

:- Isso foi fabuloso - elogiou o professor quando ela terminou. Ele estava radiante. - Simplesmente fabuloso. Espero que fique conosco, Diana, pelo menos até que façamos Medeia. Essa é uma voz que chega numa carruagem conduzida por dragões.

Quando a garota apareceu na aula de História, o Sr. Sanderhoff não a fez pagar mico. Mas disse isto: "Ah, Rainha Diana da Inglaterra", assim que ela entregou o dever de casa questionando não ser a Princesa de Gales.

Estava confusa.

Ela se sentou algumas fileiras á frente de Normani e, até quando ela reparou, passou a aula inteira observando o céu.

Normani não conseguia pensar numa forma de se livrar dela no ônibus. Ou de si mesma. Então, colocou os fones no ouvido antes que Dinah se sentasse e aumentou o volume.

Por sorte, ela nem tentou conversar.

Dinah&Normani - NorminahWhere stories live. Discover now