Ela é chocante

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:- Vou chamar a Keana pra sair - Disse Lauren.

:- Não chame a Keana pra sair - falou Normani.

:- Por que não? - Elas estavam sentadas na biblioteca, onde supostamente deveriam estar procurando poemas. Lauren já tinha escolhido alguma coisa curta sobre uma garota chamada Júlia e a "liquefação das roupas dela" (Grosseiro, disse Normani, não pode ser grosseiro. Lauren argumentou: Tem trezentos anos de idade).

:- Porque é a Keana - Normani falou. - Não dá pra convidá-la pra sair. Olhe pra ela.

Keana estava sentada à mesa seguinte, com duas meninas igualmente almofadinhas.

:- Olhe pra ela - disse Lauren -; ela é chocante.

:- Nossa. Que coisa mais idiota.

:- O quê? É uma gata. Chocante porque é uma gata.

:- Mas você tirou essa da revista Thrasher ou algo assim, tô certo?

:- É assim que se aprendem palavras novas, Normani. - Laur deu um tapinha no livro de poesia: - Lendo.

:- Você está viajando?

:- Ela é chocante - repetiu, piscando para Keana e tirando um salgadinho da mochila.

Normani olhou para a menina de novo. Tinha cabelo moreno cheio de cachinhos com falta de sua progressiva e uma franja curvada bem fire, e era a única aluna que usava um relógio da Swatch. Era uma daquelas pessoas que estão sempre perfeitas... Ela jamais faria contato visual com Lauren. Teria medo de que ela lhe deixasse uma mancha.

:- Este é o meu ano - Disse Lauren. - Vou arranjar uma namorada.

:- Mas provavelmente não vai ser a Keana.

:- Por que não? Acha que tenho que pegar mais leve?

Normani olhou para a amiga. Lauren não era feia. Tinha um quê de Meghan Fox, só que era mais baixa. E já estava com um pedaço de salgadinho enfiado no meio dos dentes da frente; parecidos como os de um coelho.

:- Escolha outra pessoa. - Normani falou.

:- Não quero saber - Disse Laur. - Vou começar pela melhor. E vou arranjar uma pra você também.

:- Obrigada, mas não, obrigada.

:- Vamos sair em casais.

:- Não.

:- No Impala.

:- Nem sonhe com isso.

O pai de Normani resolvera agir feito um fascista noque se referia à carteira de motorista da filha; anunciara na noite anterior que Normani teria de aprender a dirigir um carro de marcha manual primeiro. A garota abriu outro livro de poesia. Só falava de guerra. Fechou-o.

:- Agora tem uma menina que deve estar a fim de você - disse Lauren. - Acho que tem alguém querendo misturar as etnias.

:- Nem dá pra definir a etnia dela - Normani falou, olhando para cima. Estava sentada lá, olhando bem pra elas.

:- Ela é meio grande - comentou Lauren -, mas o Impala é um automóvel espaçoso.

:- Ela não tá olhando pra mim. Tá só olhando, ela faz isso. Observe. - Normani acenou para a menina, que pareceu não notar.

Fizera contato visual com ela somente uma vez desde aquele primeiro dia no ônibus. Fora na semana anterior, na aula de História, e ela quase escavou os olhos dele pra fora com os dela.

Se ela não queria que as pessoas a olhassem - foi o que Normani pensou na hora -, não devia usar iscas de pesca enfiadas no cabelo. A caixa de bijuterias da garota deveria parecer mais uma gaveta de quinquilharias.

Não que tudo o que ela usava fosse idiota...

Ela usava tênis Vans de que Normani gostava, com estampa de morangos. Tinha também um blazer de couro de tubarão que até ela mesmo usaria, caso não imaginasse que todo mundo tiraria sarro se o fizesse.

Será que a menina pensava que ninguém tirava sarro dela?

Normani se preparava psicologicamente toda manhã, antes de ela entrar no ônibus, mas não dava para se preparar tanto para uma visão daquelas.

:- Conhece ela? - Lauren perguntou.

:- Não - Normani tratou de responder. - Encontro ela no ônibus, ela é estranha.

:- Misturar etnias é chocante - disse.

:- Quando se pertence a uma. Pra quem se importa com uma. O que não acho nada importante.

:- Seu povo pertence a uma etnia - Lauren falou, apontando para a amiga. - Pelo menos é o que dizem em Apocalypse Now!

:- Você devia mesmo chamar a Keana pra sair. Seria uma ótima ideia.

Dinah não pretendia brigar por um livro do E. E. Cummings como se fosse a última Boneca Repolhinho do mundo. Escolheu uma mesa na seção de literatura afro-americana e resolveu trabalhar com aquele poema do passarinho enjaulado que vira no programa da Oprah.

Este era mais um detalhe ferrado daquela escola - detalhe complicado, ela se corrigiu.

A maioria dos alunos eram negros, mas boa parte dos alunos nas matérias avançadas eram brancos. Os primeiros vinham de ônibus do oeste da cidade de Omaha. E os alunos brancos das Colinas que não faziam as matérias mais difíceis vinha da direção oposta.


Dinah queria poder cursar mais matérias avançadas. Queria que houvesse Educação Física avançada...

Não que fossem deixá-la entrar em Educação Física avançada. Teria de começar pela Educação Física terapêutica. Junto a todos as outras gordinhas que não conseguiam fazer abdominais.

Enfim, os alunos avançados - negros, brancos ou orientais - costumavam ser mais gentis. Talvez fossem igualmente maus no interior, mas foram treinados para ser educados. Para cederem o lugar para idosos ou meninas.

Dinah fazia Inglês, História e Geografia avançados, mas passava o restante do dia na Cidade Maluca. Sério. Sementes da violência.

Talvez fosse melhor se esforçar bastante nas matérias avançadas para não ser expulsa delas.

Começou a copiar o poema do passarinho enjaulado num caderno. Legal. Tinha rimas.

Dinah&Normani - NorminahWhere stories live. Discover now