Por que você gosta de mim?

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Dinah tinha resposta para tudo, conseguindo escapar de maioria das perguntas de Normani.

Não queria falar da familia ou de sua casa. Não queria falar de nada do que acontecera antes de se mudar para a vizinhança ou do que acontecia depois que ela saía do ônibus.

Quando seu meio que meio-irmão adormeceu, por volta das nove, ela pediu a Normani que retornasse a ligação depois de quinze minutos. Para que ela pudesse botar a criança na cama.

Normani correu para usar o banheiro e torceu para não cruzar com nenhum dos pais. Até ali, estavam deixando-a em paz.

Voltou para o quarto. Checou as horas... Mais oito minutos. Colocou uma fita no aparelho de som. Vestiu as calças do pijama e uma camiseta.

Ligou de volta.

:- Ainda falta muito para os quinze minutos.

:- Não consegui esperar. Quer que eu ligue mais tarde?

:- Não - a voz dela estava ainda mais macia.

:- Ele pegou no sono?

:- Sim.

:- Onde você tá agora? - ela perguntou.

:- Tipo, em que lugar da casa?

:- É, onde?

:- Por quê? - ela perguntou, num tom um pouco mais gentil do que desdenhoso.

:- Porque estou imaginando você - respondeu, exasperada.

:- E daí?

:- Porque quero sentir que estou junto. Por que você dificulta tanto as coisas?

:- Provavelmete porque eu sou assim tão interessante...

:- Ah.

:- Estou deitada no chão da sala de estar - ela disse, numa voz fraca. - Em frente ao som.

:- No escuro? Parece que tá escuro.

:- No escuro, sim.

Normani se deitou na cama e cobriu os olhos com o antebraço. Dava para vê-la. Na cabeça dela. Imaginou as luzes verdes do aparelho de som. As luzes da cidade vindo da janela. Imaginou o rosto dela brilhando, a luz mais interessante da sala.

:- Tá ouvindo U2? - perguntou. Dava para ouvir Bad tocando ao fundo.

:- É. Acho que é minha música favorita atualmente. Fico rebobinando, ouvindo sem parar. Não é legal ter que se preocupar com pilhas.

:- Qual é sua parte favorita?

:- Da música?

:- Isso.

:- Ela toda - disse Dinah -, principalmente o refrão. Ou melhor, acho que é o refrão.

:- I'm wide awake - ela cantou um pedacinho.

:- É... - confirmou, baixinho.

Normani continuou cantando. Porque não sabia exatamente o que dizer em seguida.

:- Dinah? - Ela não respondeu. - Você tá aí?

Estava tão envolvida que somente fez que sim com a cabeça.

:- Sim - ela disse, em sua voz alta. Voltando à realidade.

:- No que está pensando?

:- Tô pensando... em... não tô pensando.

:- Não tá pensando num bom sentido? Ou mau?

:- Não sei - ela disse. Virou-se de bruços e enfiou o rosto no carpete. - Os dois.

Normani ficou quieta. Dava para ouví-la respirando. Dinah quis Ihe pedir que colocasse o telefone mais perto da boca.

:- Tô com saudade - falou ela.

:- Estou bem aqui.

:- Queria que estivesse aqui. Ou que eu estivesse aí. Queria que houvesse uma chance pra gente conversar assim depois de hoje, ou pra gente se ver. Tipo, pra gente se ver de verdade. Ficar sozinhas.

:- Por que não haveria chance?

Ela riu. Foi então que percebeu que estava chorando.

:- Dinah...

:- Pare. Não fale o meu nome assim. Só piora tudo.

:- Piora o quê?

:- Tudo.

Normani ficou quieta.

Do outro lado da linha, ela se sentou e limpou o nariz com a manga da camisa.

:- Você ten algum apelido em casa? - perguntou. Era uma das táticas dela: sempre que ela ficava triste ou irritada, Normani mudava de assunto da forma mais doce possível.

:- Tenho - ela disse. - Dinah.

:- Não é Dih? Ou Nah? Ou... DJ, dava para ser DJ. Ou Didih...

:- Está tentando me pôr apelido?

:- Não, adoro seu nome. Não quero subtrair nem uma sílaba sequer.

:- Você é tão boba. - Ela limpou os olhos.

:- Dinah... - ela disse. - Por que não podemos nos ver?

:- Gente - ela disse -, deixa quieto. Tô quase parando de chorar.

:- Conte. Fale comigo.

:- Porque sim - ela disse -, porque meu padrasto ia me matar.

:- Por que ele se preocupa?

:- Ele não se preocupa. Ele só quer me matar.

:- Por quê?

:- Pare de perguntar por quê - ela disse, nervosa. Não havia mais como conter as lágrimas. - Você sempre pergunta isso. Porquê. Como se existisse resposta pra tudo. Nem todo mundo tem a sua vida, sabe, ou a sua família. Na sua vida, as coisas acontecem por um motivo. As pessoas fazem sentido. Mas a minha vida não é assim. Ninguém na minha família faz sentido...

:- Nem mesmo eu?

:- Ah. Principalmente você.

:- Por que diz isso? - ela pareceu magoada. Mas por que haveria de magoar-se?

:- Por que, por que, por quê...

:- É - ela disse -, por quê? Por que fica sempre tão brava comigo?

:- Nunca fico brava com você - ela respondeu, soluçando. Normani era tão idiota.

:- Fica sim. Está brava agora. Você sempre se vira contra mim, justo quando a gente tá começando a chegar a algum lugar.

:- Que lugar?

:- Algum lugar - disse. - Uma com a outra. Tipo, alguns minutos atrás, você disse que tava com saudade. E, talvez pela primeira vez, não soou sarcástica ou defensiva ou como se me achasse uma imbecil. E agora tá gritando comigo.

:- Não tô gritando.

:- Tá brava, sim - ela afirmou. - Por que fica tão brava?

Ela não queria que a ouvisse chorar. Prendeu a respiração. Mas só piorou.

:- Dinah...

Mais ainda.

:- Pare de falar meu nome.

:- Que mais eu posso dizer, então? Pode me perguntar por que, sabe? Prometo que vou ter respostas.

Normani parecia frustrada com ela, mas não irritada. Ela só se lembrava dela falando brava uma única vez. No primeiro dia em que se viram no ônibus.

:- Pode me perguntar o por quê - ela repetiu.

:- Mesmo? - questionou, fungando o nariz.

:- Sim.

:- Tá bom. - Ela olhou para a mesa de centro, vendo seu reflexo choroso no tampo de acrílico pintado. Parecia um fantasma de rosto gordo. Fechou os olhos. - Por que você gosta de mim?

Dinah&Normani - NorminahWhere stories live. Discover now