Era um novo dia, provavelmente um bem tranquilo. Era o quarto dia da semana, o que indicava que os clientes regulares já haviam visitado a okiya nos dois dias anteriores e só voltariam lá no fim da semana. Todas já sabiam dos horários dos clientes e, para Mei, isso era ótimo, evitava desconfortos. Mas, há exatos sete dias, ela levou um susto quando um homem foi à okiya pela primeira vez e a viu despreocupadamente deitada na frente do lago. Aquele mesmo homem foi o responsável por deixar uma grande quantia de dinheiro, muito necessária, e que financiava as reformas na casa de madeira. Assim, Mei não podia descansar. Tinha que buscar os materiais que os marceneiros precisavam e carregar pesados sacos de lixo.
Toda a correira só acabou por volta das 13:00 horas, quando o sol queimava. Mei levou os trabalhadores para a entrada e estava preparada para voltar, mas os passos denunciavam uma outra presença. E era o fudai-daimyō. Vestido de roupas simples novamente, mostrando no rosto um meio sorriso para quem o recebia à porta. Ela imediatamente abaixou a cabeça e pronunciou quase em um sussurro:
- Bem vindo.
Depois de uma reverência, Mei se dirigiu ao seu próprio quarto. Aquele tinha sido um dia cansativo e não havia nada que ela quisesse mais do que o descanso de sua cama.
Mais uma vez Katsukiyo se perguntou o que acontecia com aquela garota, mas, no fundo, ele sentia uma alegria por ela não ter fugido (pelo menos, não do jeito de antes) e ter lhe cumprimentado. Escolheu uma mulher diferente da outra vez, seguindo a sugestão da gerente, mas sua cabeça não parava de trabalhar processando a curiosidade por aquela menina.
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De 16:00 horas, o ar era mais fresco. Mei havia sentado para admirar o lago. A soneca que tinha tirado foi ótima, porém a preguiça que o vento incentivava impedia de continuar o trabalho que foi deixado para trás. Ela nem sequer pensava que talvez aquele homem ainda estivesse lá. Tudo era paz, tranquilidade e falta de coragem para levantar.
Naquele momento, vinha saindo Katsukiyo. Ele havia pego no sono no quarto e agora se preparava para ir embora. Ia tirando o dinheiro do bolso, mas percebeu que Aiko-san não estava em lugar algum. Estava pensando em sentar em uma cadeira quando reconheceu aquele cabelo preto de quem admirava o lago. Não resistiu e foi se sentar ao lado dela. Para a surpresa dele, ela não se assustou. Quando aqueles olhos encararam ele a menos de um metro e meio, aquela calma pareceu se repassar para ele.
-Isso é uma surpresa- ousou dizer- é a primeira vez que não foge de mim.
A garota ficou calada.
-Qual é o seu nome?
Mei parecia estar acordando aos poucos. O homem estaria ficando interessado nela?
- Perdão, tenho que terminar as minhas obrigações- disse se levantando.
-Não vejo a necessidade de pressa para concluir os seus deveres- a voz vinda de dentro disse. Era Aiko-san que retornara- Você pode continuar fazendo compainha ao senhor cliente.
Depois de alguns segundos, se mostrando muito relutante, Mei cedeu à ordem disfarçada.
Katsukiyo estranhara os olhares, mas tornou a se focar na sua tentativa de iniciar uma conversa.
-Então... Como se chama?
-Meu nome é Mei, senhor.
- Não precisa me chamar de senhor.
O silêncio caiu sobre eles.
- Sabe, eu estou curioso sobre você desde a primeira vez que nos vimos. Por que você agiu daquele jeito? Eu te assustei?
O rosto de Mei corou, e ela assentiu.
-É que não estávamos esperando mais ninguém naquele dia, então eu relaxei e me deitei aqui achando que ninguém viria.
- Depois, já dentro da okiya, você parecia incomodada e praticamente correu para dentro da casa.
-Isso é- Mei já sentia seu rosto arder- porque eu não me sinto confortável perto de homens- Katsukiyo lançou um olhar confuso para ela- e você era um cliente novo e não sabia que não sou uma cortesã.
A surpresa no rosto do homem não foi disfarçada.
-Você não é uma cortesã? Mas mora na okiya?
-Eu sou encarregada dos serviços de limpeza e qualquer outros trabalhos que forem necessários, menos esse.
-Qual é sua idade?
-Tenho 19 anos- disse Mei.
-Então é tão nova quanto eu imaginava- ele falou para ninguém em particular- Como você chegou em um lugar tão isolado?
A expressão do fudai-daimyō mostrava simpatia e compaixão com a situação de Mei. E, provavelmente, foi isso que fez a garota sentir o coração mais leve e permitir se abrir mais àquele diálogo. Ele parecia alguém bom, não asssustador. Além disso, ela pôde sentir que naquele momento só existia a simples intenção de conversar. E era sincero.
Mei contou a ele a situação de sua família, que seus pais acharam que aquele lugar seria o mais seguro, que Aiko-san cuidava dela e poupava ela de ter que começar aquela vida cedo demais, e que agora ela mesma se via fugindo dos homens.
Apenas metade do sol podia ser vista no céu quando Mei terminou sua história.
- Nossa, já é tarde- disse Katsukiyo, se erguendo- Bom, foi um prazer conhecê-la, Mei. Devo ir agora, antes que esteja escuro demais.
Ele foi até recepção pagar o serviço. Ao se virar, percebeu que a gerente os observava durante todo o tempo. Enquanto Aiko-san fazia a anotação do pagamento, ele disse:
- A garota que te ajuda aqui, Mei, ela é uma boa menina.
Essas palavras surpreenderam a velha senhora, porém, mais do que isso, fez ela notar que não podia proteger Mei por muito mais tempo, e ouvindo os cumprimentos do rapaz, lhe devolveu um sorriso pesaroso.
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The Concubine
RomanceA pobreza obrigou a jovem Mei a se afastar da sua família para trabalhar em uma okiya, uma casa de gueixas. Mei vive se escondendo dos clientes que poderiam ter algum interesse em seus "serviços", até que a inesperada chegada de um misterioso homem...