Bons Sonhos

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O som do vento arranhando o metal do avião quase se sobressai sobre a voz do instrutor, ele está animado, está em êxtase, aparentemente o salto ainda não perdeu a graça mesmo depois de tanto tempo. Sinto como se meu coração estivesse encolhido no meu peito, se comprimindo na tentativa de desaparecer dentro de si mesmo, meu estômago parece estar flutuando e se chacoalhando intensamente. Minhas costas estão doendo, a mochila não está pesada, mas sinto uma dor entre as omoplatas. O instrutor me olha tentando passar calma, mas não adianta muito. "Porque raios de motivo eu estou aqui?!", me pergunto ao olhar pela porta pela qual vamos realizar o salto, não me sinto à vontade, eu só quero sumir, eu queria estar aqui, eu queria, mas agora, não quero mais, pelo menos não agora.

O instrutor olha para mim novamente, dessa vez ele faz um sinal de positivo e com as sobrancelhas indica uma pergunta; aceno positivamente com a cabeça mesmo que eu não esteja tão preparada quanto eu acho que deveria estar para fazer isso. Então apenas vem, uma dor de impacto nas minhas costas, um chute, um chute muito forte bem no meio das costas, o impacto me empurra na direção da porta; eu caio do avião. Meu coração acelera, o instrutor deve ter pulado para me acompanhar, mas o susto do chute, o impacto destruiu minha última gota de autocontrole.

O chão não está perto, pelo ponto no meu ouvido consigo ouvir Marco, "Você está bem?!", ele pergunta, eu responderia, mas estou ocupada tentando respirar em meio ao pânico, o vento parece que vai rasgar ao meio, não consigo me acalmar. A altura agora é adequada para puxar o paraquedas, mas eu quero puxar o mais próximo do solo possível para não ficar mais nenhum segundo em queda. Quando finalmente chego à altura desejada, eu posso ver os campos verdes abaixo de mim, então puxo a corda de ativação do paraquedas, nada acontece, puxo novamente, nada acontece. Então entro em total desespero, mas o pânico se instala nos meus ossos de tal forma que não consigo me mexer; chorar ou gritar, meu instinto é fugir, mas não tenho para onde fugir, de alguma maneira eu acabo virando de costas para o solo, eu não quero ver o impacto, talvez doa menos se eu não vir.

Acordo desesperada, com a respiração quase nula, meus pulmões ardem como se estivessem em ácido, minhas costas estão doendo absurdamente, assim como meu coração, que agora parece um pintinho se encolhendo debaixo de sua mãe, encolhido o máximo possível, meu coração sapateia insanamente. Foi só um sonho, apenas isso. Um sonho, nada aconteceu, era apenas meu cérebro me pregando peças. Até porque eu não vou saltar sozinha na minha primeira vez, estarei grudada no instrutor, se eu morrer ele morre junto.

Levanto e vou à cozinha na intenção de beber um copo d'água, abro a geladeira e bebo direto da garrafa sem pensar duas vezes, o frio desce pela minha garganta e tenho uma esperança de que ele resfrie minha ansiedade, mas a realidade é decepcionante. Meu peito não está tão afoito como estava anteriormente, mas está longe de estar são.

Meu apartamento consiste em uma sala de estar que também é minha cozinha e sala de jantar, um banheiro e meu quarto. Tudo está em ordem, nenhuma louça na pia, o aroma artificial do desinfetante de jasmim exala pela sala, saindo do meu quarto, cuja saída fica no lado menor da sala, bato o joelho no braço do sofá que fica bem na porta do meu quarto de frente para a TV que está numa posição perigosa porque minha porta abre para foram então sempre tenho que ter cuidado para não bater a porta na TV, no outro canto da sala, à esquerda fica a porta de entrada e no canto direito fica a geladeira acompanhada do fogão. Minha mãe surtaria, "Nunca coloque um fogão do lado de uma geladeira, ela fica grudenta e toda encrustada de gordura e ferrugem.", ela diria, no fim das contas ela tem razão, todo dia quando acordo e saio do meu quarto a primeira coisa que vejo é o conjunto de marcas de ferrugem no lado a geladeira, no lado direito do fogão fica outro par de coisas que minha mãe acharia digno de uns bons tabefes, o suporte de louças que fica quase na passagem da porta do banheiro. "Nunca coloque nada próximo à entrada do banheiro, fica tudo com cheiro de bosta.", ela diria; o que não é verdade, mas não deixa de ser uma medida não muito higiênica.

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