Terror

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A goteira parece se espalhar pelo teto enquanto as gotas caem no meu rosto se misturando às lágrimas. Meu coração parece estar fechado em um punho, que agora parece estar socando meu peito com todas as forças. Ontem a noite foi perfeita, as danças esquisita e as piadas sem sentido, cada momento parecia ter gosto de ouro e amarelo. Eu gostaria de estar naquele salão jogando conversa fora e rindo com eles, como eu queria ter engarrafado aquela felicidade. Meus olhos se espremem em dor quando relembro, não por ter sido ruim, mas pelo contrário, por ter sido perfeito, um momento perfeito. O que me dói é o medo, a ansiedade e sentimentos antecipados.

Lydia me perguntou como eu estava, pergunta essa que respondi sorrindo enquanto fitava seus olhos. Tudo estava perfeito, mas minha ansiedade desde o início da noite queria se instalar corroendo minha felicidade. Entramos no salão e encontramos nossos amigos, nos cumprimentamos e as piadinhas autodepreciativas e de humor negro começaram, a noite se estendeu como o céu, poucos momentos eu poderia dizer que tem cheiro, mas essa noite em particular tinha cheiro de céu estrelado, como um prato com todos os sabores reunidos, desde a vergonha de micos, a risada nascida em uma troca de olhares misturada com caretas, o amor fraternal que relembrava momentos tristes demais para virarem comentários, porém profundos demais para serem esquecidos. Naquela noite eu pude relembrar cada momento desgraçado de nossas vidas, pude relembrar de cada abraço que molhou meu ombro com lágrimas e saliva.

Aqueles momentos passavam como um filme pela minha cabeça quando André foi receber o diploma. Eu conseguia lembrar do dia em que o conheci, ele veio me perguntar qual era a sala da turma dois do nono ano, ele parecia entediado e com certo receio em falar comigo. Depois daquele dia não nos falamos mais, a conversa só veio surgir um tempo depois quando Lydia demonstrou interesse nele e pediu minha ajuda para se aproximar. Eu fui um pouco mercenário, mas fiz o máximo que pude para ajudar. Depois dele conhecemos Darwin e Marques. Os anos seguintes foram uma mistura de problemas de pessoas com tendências suicidas tentando se ajudar e problemas comuns como expulsão de domicílio e términos de namoros que acabavam em pranteamentos de longo tempo. Promessas foram feitas. Promessas foram quebradas. Brigas sérias surgiram. Sérias conversas em grupo sobre reconciliação surgiram. Mas naquele momento estávamos todos ali. Finalmente a formatura de conclusão do Ensino Médio.

Nossa mesa tinham alguns pratos com salgadinhos, que de dez em dez minutos são repostos por mim novamente. Alguns comentários são feitos sem sentido algum e respondidos com menos sentido ainda, mas geram piadinhas hilárias porém estúpidas demais para serem associadas a formandos de Ensino Médio. A noite correu bem, com certas vergonhas passadas e longas trocas de olhares receosos.

Meus olhos ardem e isso me causa mais vontade de chorar ainda. A incerteza misturada com o medo são injetadas no meu peito como que por uma agulha grossa e fria. Cada respiração parece ser extremamente dolorosa e cansativa. E se nós não nos falarmos mais? E se algum de nós se casar e ter filhos e esquecer o resto? E se eles me esquecerem? Em meio a esses pensamentos me sinto sozinho e insuficiente. Começo a lembrar de todos as minhas mancadas e vacilos. Começo a me matar por dentro. Cada sentimento de culpa e anseio parecem ser expandidos como um balão a beira de um estouro. Não consigo respirar em determinado momento. As lembranças boas vêm e o medo de nunca mais viver aquilo com aquelas pessoas me desola completamente. Diariamente algum tweet é compartilhado por milhares de pessoas com ideias como as de que amizades tem prazos de validade. Mas eu não consigo. Eu sou incapaz disso, eu seria completamente incapaz de fazer isso. Mesmo que fôssemos mantidos longe um do outro eu conseguiria lembrar deles, certo?

Minha mente vaga e minha cabeça dói. Um lado de mim afirma com todas as certezas que essas ideias não se aplicam aos meus amigos, enquanto outro lado de mim tem total certeza da minha própria descartabilidade como amigo. Eu errei muitas vezes. Eu falei muita merda. Deus sabe o quanto me arrependo de cada um desses momentos. Mas e se isso lascou as coisas? Esse ano nós não nos falamos tanto quanto nos anos anteriores, e se o afastamento já estiver se instalando e eu não percebi?

Meu corpo inteiro parece doer, mas a autoflagelação não chegou. Ainda não. Eu cai da cama há alguns minutos e agora estou em posição fetal com a alma encharcada de dor. Neste momento cada lembrança boa que tenho passa na minha mente mas agora parece rasgar meu peito como uma faca serrilhada, cada risada parece distante e impossível. Tento respirar pela boca mas agora parece que consigo sentir o sabor da tristeza. Cada centímetro a minha mente parece desolado. Então desmaio.

Alguém está acariciando meu cabelo. Lydia, consigo reconhecer o toque dos seus dedos. André e Darwin estão sentados em cadeiras próximas de mim. As lágrimas vêm e o medo parece querer se apossar de mim mais uma vez.

― Calma ― Lydia diz enquanto acaricia meu cabelo e me abraça de leve.

― Eu estou com medo ― respondo em meio aos soluços.

― O medo de sempre? ― ela pergunta com ternura.

― Sim ― respondo tentando limpar minhas lágrimas com a manga da minha camisa.

― Não se preocupe ― André diz, ― mesmo que quiséssemos, não poderíamos esquecer você. Você é quase nosso mascote ― ele afirma com um sorriso no rosto.

Um sorriso nasce em mim e, por um instante, consigo visualizar nós quatro no futuro. O medo parece se esconder debaixo da cama. Nós. Talvez meu maior defeito seja a desconfiança. Mas neste momento, todo medo se esvai e é substituído por confiança. Eu confio neles. Eu posso parecer tolo ao resto do mundo, mas eu confio e aceito as consequências disso.

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⏰ Última atualização: Dec 15, 2020 ⏰

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