Mamãe

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O cheiro de mato ferido é forte chegando a ser nauseante. A sola dos meus pés está doendo profundamente devido aos quase quatro quilômetros percorridos na estrada, ainda guardando o calor diurno. Não há nada além de mato ao redor e o horário faz com que os motoristas sejam cautelosos em dar caronas, principalmente a mulheres na estrada, alguns pensam trazer maus presságios enquanto outros simplesmente consideram perigoso pelo risco de poder ser um assalto. Apenas uma maracutaia de estrada.

Eu gostaria de ser otimista, mas as solas das sapatilhas já conseguiram se estragar a ponto de eu ter que tirá-las para não terminar de ferrar meus pés com a beira de uma boca de sapato de baixa qualidade. Além disso, a lua se recusa a surgir, nada mais poderia ser melhor. O medo de sofrer algum crime proposital cresce em casamento com o medo de ser atropelada por algum motoqueiro tentando usar o acostamento para fazer arte.

Meu celular vibra na cintura, mas infelizmente não posso responder nada, a tela está completamente destruída. A cada vibração uma gota de raiva parece se afundar em minhas vertebras e faz tremer minhas mãos e quase ranger meus dentes, mas não choro, agora não. Não posso fraquejar agora, já não é uma questão de ser forte, agora é uma questão de honra. Ele tentou com todos os recursos me ferrar dessa vez, ele sempre fez isso, mas só agora percebi. Sou burra. Estúpida. Completamente tapada. "Precisamos conversar"; "Temos algumas coisas para resolver, poderia me passar seu celular?" e "Quem é Luan?", as frases parecem gasolina no fogo da minha ira.

Como pude ser tão burra, deveria ter apagado o contato, pelo menos a conversa, mas não, adiei como se fosse algo irrelevante. Mas era algo irrelevante. Eu não continuei com a conversa, eu nem respondi, apenas arquivei e ignorei por umas duas semanas, eu nem cheguei a visualizar. Richard ouviu? É lógico que não. Sabrina como pôde ser tão estúpida? Por que raios de motivos eu simplesmente não apaguei e bloqueei logo após o primeiro nude? Eu sabia que ele havia mandado. No fundo eu sabia, eu não queria abrir a conversa por isso, pelo nojo, mas ao mesmo tempo por medo de gostar do que veria.

Luan foi meu primeiro romance sério de escola, mesmo que as 'romance sério' e 'escola' não parecerem compatíveis. Ficamos juntos por quase três anos, eu gostaria de dizer que o esqueci, mas eu sei que não, infelizmente eu sei que não. Mas aquela fagulha de incerteza e arrependimento fumegou no meu peito quando ele mandou a primeira mensagem, foi o bastante para a conversa sobre filhos e perguntas sobre o trabalho acabar indo para uma zona mais íntima, porém bem mais sentimental do que erótica, mas eu alimentei a lareira, eram piadas. Apenas piadas, certo? Mas eu sabia no que acabaria rendendo, porém mesmo assim me recusei a acreditar quando vi a notificação de imagens anexadas na conversa. Eu não queria abrir, mas alguém abriu.

Richard estava estressado desde cedo, algo no seu olhar parecia como de um viciado, não tinha vermelhidão ou olheiras, mas ele estava com esse cheiro e olhar de loucura. Saímos cedo de casa para não nos atrasarmos, tudo ocorreu bem e o almoço na casa da mãe dele ocorreu tudo bem, foi extremamente estressante para mim. Foi estressante tentar não lembrar minha querida sogra que embora eu não faça comida em casa com frequência, eu ainda tinha uma frequência maior do que a de sua filha em obrigações domésticas, não apenas em cozinhar. Talvez eu conseguisse ouvir suas criticas se elas não servissem perfeitamente para sua filha de vinte e cinco anos que já casou mais ainda mora com a mãe. Por Richard, era esse o motivo, por ele eu não discutia com aquela leitoa sarnenta.

No caminho de volta para casa que o motivo da cara carrancuda que parece ter se camuflado durante o almoço mostrou suas razões. Abri o celular e passei pelas conversas e ele perguntou quem era Luan, seu rosto estava rígido e a respiração um pouco acelerada. Após iniciar a conversa ele apenas pegou meu celular das minhas mãos e abriu a conversa. Eu sei que errei, mas ele já fez pior, bem pior. Um múltiplo de vezes maior do que consigo lembrar. Mas ele é hipócrita. Um patético hipócrita orgulhoso. Ele apenas desacelerou e jogou meu celular pela minha janela, quando me virei em cima da janela ele abriu a porta e me empurrou. Imundo.

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