Capítulo 6.
Eu me lembro de uma canção. Uma cantoria distante numa voz tão bonita que me fazia querer chorar. Eu estava andando em um corredor azulado, descalça no chão frio, usando apenas uma camisola hospitalar ensanguentada. Minhas pegadas eram vermelhas e pegajosas de sangue coagulando, minhas mãos possuíam luvas igualmente vermelhas e pegajosas e parecia que em meu rosto havia uma máscara composta de sangue seco até meu nariz.
A voz que cantarolava me impelia a continuar andando pelos corredores vazios e em algum momento eu comecei a cantar junto. Meus dedos estalando e se contorcendo enquanto eu mantinha-os em movimentos nervosos. Minha boca mal se movia para cantarolar a melodia bonita que eu não sabia de onde vinha. Então eu parei.
Diante de mim, havia uma garota. Atrás dela, havia um caminho de pegadas sangrentas como as minhas e ela sorria cantarolando. Suas presas afiadas apareciam por trás dos lábios sujos de sangue e senti sede observando o sangue fresco pingar de seu queixo. Ela ergueu as duas mãos diante de si e imitei e o toque de nossas palmas era frio, mas mandou calor por todo o meu corpo junto com um arrepio que me fez fechar os olhos.
-M... -Foi o som que me lembro de fazer antes de acordar.
O vento fazia um barulho muito alto do lado de fora da janela do meu quarto. A cortina cor de creme ainda era a mesma, a mesma cama, o mesmo relógio parado. Sentei na cama desperta como nunca, sempre acordo como se estivesse cheia de energia desde muito tempo atrás. Desliguei o despertador do celular ao lado do travesseiro e o larguei de lado. Seis e meia em ponto e eu podia ver luz passando pelas frestas do papel negro que cobria o vidro da janela.
Estava escuro no quarto, mas eu enxergava perfeitamente bem assim. Mas sinto minha cabeça doer como se forçasse para enxergar. Passo as mãos no rosto para espantar o pesadelo da noite. Tudo o que me sobraram foram pesadelos e eu acordava com a estranha sensação de horror e saudades misturados. Não consigo lembrar sobre o que o pesadelo era, mas lembro de uma música.
-Acorda, dorminhoca! Hora dos morcegos saírem da toca! -Afasto o pensamento quando ouço a voz de Meera soando do outro lado da porta do quarto. -Estou entrando!
Observo minha melhor amiga invadir meu quarto, será que ainda poderíamos nos chamar de melhores amigas? Ela fecha a porta e acende o abajur, a única iluminação que foi mantida no quarto desde que voltei. Meera senta ao meu lado na cama e me abraça, eu a abraço de volta. Sei que aquilo significa muito mais do que um abraço entre amigas, aquilo significa que ela continua aqui comigo, pelo menos do jeito dela. Respiro fundo sentindo o calor do corpo alheio junto ao meu e é tão confortável que suspiro.
Meera tem cabelo escuro e cheio como eu um dia tive. Hoje ela o estilizou com cachos grossos e soltos caindo sobre o uniforme do clube de tênis de quadra, uma blusa de gola polo azul celeste e saia drapeada preta e azul. As cores da Academia. Usa também um par de argolas pequenas e um colar simples de ouro cor de rosa e seus sapatos e meias.
-Hora de começar outro dia. -Eu digo soltando primeiro do abraço.
-Para você é noite. -Ela disse e levantou para abrir a janela de vidro mas deixando as cortinas fechadas, o que não adiantou de nada.
-Puta merda! -Xinguei cobrindo os olhos com as mãos e virando de costas para origem da luz, não sem antes ver Meera dar um pulinho de susto.
-Desde quando você xinga? -Ela perguntou diminuindo a iluminação do quarto novamente.
-Sei lá, desde que você acabou de tentar me cegar? -Pergunto mais para mim do que para ela. A verdade é que eu não lembrava mesmo.
-Bom, deixando isso de lado, você tem que se arrumar para o primeiro dia de aula. -Aceno com a cabeça e vou até o guarda-roupa.
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Malha de Prata
General FictionUm experimento de um laboratório é lançado no ginásio de uma escola do exército britânico e adolescentes são transformados em armas biológicas. Mantidos em segredo do resto do mundo e de seus pais, os estudantes e alguns professores são levados para...