17 - Portal

33 3 0
                                    

Eu? Mas eu não sei fazer portais ou vértices e muito menos controlar o meu poder perfeitamente.

Exclamei fazendo pirraça, enquanto meu pai estava me observando e sorrindo, senti um leve tom de deboche, mas não quis falar nada.

— Na verdade sabe e muito até, quando era criança vivia fazendo, era realmente, uma dor de cabeça te seguir ou pelo menos cuidar de você, provavelmente, só não se lembra como fazia, acho que fazia por impulso.

— Fazia? Eu não lembro disso, de como eu consigo?

(Fala como se soubesse tudo querida.)

— Caipora não tem ligação com portais, tem?

— Não, não tem, mas eles são bem simples de se fazer, só lembrar como conseguia quando era mais nova. E bem, como é minha filha, tem traços do poder do Curupira, sobre os caminhos, isso a torna bem especial, assim como perigosa, seu sangue a torna mais poderosa.

Estava bem surpresa, mas chega de informação sobre outros assuntos, já estava difícil de absorver o que ele estava falando sobre o agora, chegava ser estranho, quanto mais eu descobria, mais queria saber.

— Papai, eu não lembro nem o que eu jantei ontem, aliás, eu jantei?

(Antes que perguntem, não foi ironia, minha memória para coisas importantes era péssima na época.)

(Ainda é.)

(Calado, autor!)

Escuto ele suspirar com a mão no rosto e rio o olhando erguendo as mãos.

— Princesa, ouça com atenção. Primeiro, respire fundo e deixe seu poder fluir pelo seu corpo. Imagine a sua localização atual, agora imagine o seu destino, ambos em lados opostos de um grande rio. Agora imagine ramificações entre esses dois pontos a partir do corpo d'água principal.

Eu tinha entendido? Não. Eu iria me virar e tentar fazer? Iria. Provavelmente, ia fazer besteira? Cara, eu quase sempre faço, mas vão bora.

— Tá bem, vou tentar.

Fecho os olhos e mentalizo o rio. Nesse momento, sinto minha pele ferver e as marcas aparecerem pelos meus braços novamente, assim como no meu rosto e no meu peito. Essa era a prova que meu poder já estava fluindo sobre meu corpo suado, aconteceu tanta coisa em tão pouco tempo, que nem sabia mais que membro do meu corpo doía mais.

— Isso princesa, assim mesmo, continue.

Ouvia meu pai sussurrar próximo a mim. Era visível o meu cansaço, sentia calafrios, meus cabelos estavam em pé. Meus olhos abandonavam o castanho do dia a dia e se apegavam a um tom esverdeado, mais intenso e vivo que o do meu pai.

— Não sei se consigo.

Dizia com uma voz ofegante e cansada.

— Não perca o foco princesa, aguenta só mais um pouco.

A imagem da aldeia era nítida em minha mente, o que era bom, agora a imagem do local onde estávamos se refletia próxima. Nesse momento, um redemoinho de folhas começa a se formar na nossa frente, e então uma coisa incrível acontece, a imagem da aldeia era vista dentro dele. Seguro o braço do meu pai buscando apoio, e então juntos entramos no portal.

Estava suando muito, meus olhos estavam pesados, parecia que todo o cansaço do mundo estava sobre meus ombros, finalmente havia entendido a explicação do meu pai. Realmente, parecia que estávamos atravessando um rio astral, um túnel repleto de imagens e formas estranhas, meu pai pareceu notar meu estado e me sacudiu um pouco chamando minha atenção.

— Não tire seu pensamento de foco, princesa, isso é fundamental. Não vai gostar de ficar presa nesse lugar.

Olhando para os lados, enquanto eu ouvia meu pai, começo a ver o que ele estava falando, havia ali figuras humanoides e de seres estranhos que pareciam ganhar vida conforme passávamos por elas.

— O nome deles é Awon Ero. São seres que se alimentam e se fortalecem da força dos seus pensamentos, sugam todos até você se tornar um deles, ou simplesmente, entrar em estado vegetativo e não acho que isso seja legal. Tanto que não acredito que sejam boas companhias, afinal desde as histórias antigas nenhuma pessoa que ficou presa aqui retornou com vida ao nosso mundo.

— Espera, então estamos em outra dimensão?

— Sim, porém ela é diferente, estamos no plano astral. Ele é mais um tipo de reflexo da nossa realidade, mas esse plano só pode ser acessado por catalisadores, deuses e bem, esses seres nas margens.

— Entendi, espero pelo menos, meus poderes vêm daqui então?

O restante do caminho se passou tão rápido quanto as palavras que sumiam pelo ambiente após a fala. Uma forte turbulência começou quando nos aproximamos do nosso destino final. Então quando achei que nada mais estranho poderia acontecer, nada de errado, finalmente, poderia chegar em casa com meu pai e descansar dessa loucura, olho para baixo, sentindo o vento no meu rosto e então percebo que estávamos caindo.

(E tem gente que ainda fala que queria ter uma vida como a nossa.)

É isso mesmo, estamos caindo. Rapidamente, por reflexo envolvo meu pai com minhas pernas e então uso o restante do meu poder para abrir as minhas asas de Harpia, para então planar até a cabana mais próxima. Onde me vejo exausta já, quase desmaiando, e caindo sobre ela rompendo o teto e desabando no seu interior junto do meu pai.

— Isso foi demais, vamos fazer outra vez?

Escuto a voz do meu pai, cheia de euforia e parecendo uma criança de cinco anos. Então vejo ele sorrindo, segurando meu braço que aparentemente, estava quebrado. Sentindo naquele momento uma dor absurda, mas nem de longe parecia a pior notícia, uma queimação interna gigante acompanhava essa dor, porém não deixaria que ele percebesse aquilo.

— Não acho que seja uma boa ideia, pai, não agora, mas por que aparecemos no céu e não no chão?

Minhas palavras se arrastaram para fora da minha boca, quase como um sussurro.

— Você deveria estar lembrando da aldeia de cima, então o seu portal nos levou para lá.

— Poxa, não sabia que isso influenciava, mas, vivendo e aprendendo.

Fecho os olhos e suspiro antes de os abrir, e olhar para o teto.

— É garotinha, acho que vai ter que dormir no meu quarto até consertarmos isso.

Não ouvi a frase completa, antes do meu pai terminar, acabo desmaiando.


Os segredos de Kanuri, a guerreira Tupi.Onde histórias criam vida. Descubra agora