A luta estava ficando tão carregada e pesada quanto uma nuvem chuvosa, mal conseguia acreditar no que os meus olhos viam. Um simples sorriso surgiu no rosto de Luison, havia se passado tanto tempo que não via ele sorrir, que nem me lembrava mais que ele era capaz de tal ato. Foi através deste gesto que me fez lembrar uma história.
Muito tempo atrás, quando todos éramos "crianças" de 12 anos, tudo fluía de forma normal, não havia essa competição, essa sede por vingança e por poder, todos faziam o seu devido papel. Curupira era o punho da justiça da mata, eu, a mera Caipora, seguia pela mata desfazendo armadilhas e libertando os animais. O Boto cuidava dos rios, Boitatá impedia incêndios, a paz reinava.
Foi então que conheci ele, Luison, o deus da morte e da violência, mesmo com alma de assassino, ele era bondoso, só fazia o seu dever de matar os velhos, doentes e os que sofriam. Um dia, acabei presa em uma arapuca enquanto salvava uma família de micos-leões. Ferida, mas fazendo as coisas da forma mais natural possível para junto dos pequenos nos livrar da armadilha, na época não tínhamos introduzido as bençãos e catalisadores ainda, então os próprios deuses tentavam não interferir, mas ajudavam os mortais.
— Esses aí deveriam morrer, estavam no meu caderno de ceifa.
Ao olhar para uma árvore próxima, conseguia ver um rapaz apoiado em uma foice me encarando, seu corpo pálido fazia um contraste gigante com a escuridão da noite, diferente dos seus cabelos que pareciam ser puramente sombras sobre sua cabeça acompanhados de um par de gélidas safiras azuis indolentes. Esse foi o Luison que conheci, um adolescente frio e sarcástico, mas que não fazia mal a um inseto, se não estivesse nos planos naturais.
— Me desculpe, mas não consegui ver o sofrimento deles e não fazer nada.
— Eu percebi, nunca havia visto uma deusa se ferir para salvar um animal. Isso é no mínimo curioso.
— Não te conheço ainda, mas se sabe que sou uma deusa, você também deve ser um.
Com um pulo, o rapaz realiza uma série de manobras no ar antes de tocar o solo, ele se movia com maestria, delicadeza, graça e com beleza, parecia um espectro cortando o ar noturno. O menino para diante de mim e estende a mão.
— Meu nome é Luison, sim sou um deus, e sim, também sei que você é uma, certo? Suponho que seja a grande protetora Caipora.
Pego sua mão, ele me ajuda a levantar, e antes que eu tivesse a chance de puxá-la, sinto os seus lábios nas costas da minha mão, era a primeira vez que um homem havia me cumprimentado dessa forma, não pude conter um sorriso ao me recompor.
— É um prazer, Luison, e sim, acertou quem sou. Bem, minha ronda aqui acabou, tenho que seguir viagem, mas espero te ver novamente.
O tempo foi passando, e acabávamos nos vendo mais vezes, graças ao caso com sua mãe e o pedido de Tupã, nossos encontros foram aumentando cada vez mais em decorrer das batalhas, enquanto ambos íamos "desenvolvendo" os nossos poderes, nosso conhecimento, até mesmo nossos corpos, agora ele não tinha mais o ar de menino. Ele devia estar com a aparência de um rapaz de 17 anos mais ou menos, sua pele já não era tão pálida como quando o conheci, chegava agora a ser levemente bronzeada, seus músculos bem definidos, mantinha aquele corpo mediano, porém havia deixado o cabelo raspado se encaixando com uma barba por fazer, lhe dando um ar de bad boy, que se fazia oposto ao seu comportamento.
Assim como o dele, o meu corpo havia se desenvolvido também, eu não havia crescido muito, só era um palmo mais baixa que ele, meus cabelos castanhos viviam presos em uma trança que ia facilmente até a minha cintura, com uma mecha solta ordenada com penas. Todos falavam que o mais chamativo em mim eram os meus olhos cor de âmbar, trajava vestes feitas de peles de animais que por mais simples que fossem, destacam a beleza do meu corpo, este era atlético, com músculos tonificados. Por onde passava, certamente eu tinha a atenção atraída, não podia negar isso.
Quase todos os dias, a gente se encontrava para ver o sol se pôr, às vezes no pico de algum monte, às vezes era sobre alguma rocha grande, até em outras formas não humanoides já havíamos passado aquele momento. Hoje, era ao lado de uma cachoeira, o calor habitual tinha amenizado um pouco, a proximidade com a margem fazia os respingos da água chegarem até nós dois. Realmente, parecia um romance saído de um livro de ficção.
(Ahhh claro, Caipora, a história é baseada em fatos reais. — Reviro os olhos.)
— Estou com um pouco de frio, vamos trocar de lugar?
— Não precisa, eu te esquento.
(SA-FA-DO, saudades, Ken.)
(O-LHA-QUEM-FA-LA.)
(Chatooo!)
(Velhaaa!)
Vejo ele me abraçar, e então meu rosto começa a corar de leve, fingindo que não acontecia nada. Assim, os minutos passavam, coloco a cabeça apoiada no seu ombro, sem perceber estávamos de mãos dadas, isso me fez olhar para cima. E no exato momento em que viro o rosto, sinto seus lábios úmidos tocando os meus, raios e trovões estouravam em minha mente, apenas fecho os meus olhos, e passo meus braços por sua nuca levando as mãos nos seus cabelos enquanto curtia o máximo possível aquele momento. Esse era o meu primeiro beijo.
Um fogo desconhecido se acende em meu corpo, o suor percorria minhas costas, enquanto ele me deitava sobre as folhas, acariciando suavemente meu rosto, descendo seus dedos até a minha nuca enquanto à falta de camisa da parte dele fazia nossas peles se tocarem quase livremente, faíscas percorriam meu corpo mediante o contato. Sua pele era sedosa, parecia imaculada, a luta entre respirar e me entregar era cada vez maior. Minhas mãos estavam tremulas, porém, seguiram para os seus cabelos quase instintivamente, os apertando um pouco e o puxando para mim, beijando sua orelha e ouvindo um breve e tímido gemido. Aquele sentimento que florescia a meses em meu coração era constante, quando ambos paramos e nos afastamos um pouco nos olhando, percebi que estava envergonhada.
— Desculpe, parece que não gostou, não vou repetir isso.
— Não, não é isso, eu gostei e muito, só não esperava, sabe? E para você, foi bom?
— Muito mais do que imaginei, tanto que faria de novo sem pensar duas vezes.
Com um sorriso travesso no rosto, não podia negar que queria.
— Essa parte depende mais de você do que de mim.
(Safadinha ela, gente.)
Sem perder um segundo, Luison já estava me beijando novamente. Estava tudo bom demais para ser verdade, o clima, o lugar, os animais, tudo estava perfeitamente fluindo como deveria, até que...
VOCÊ ESTÁ LENDO
Os segredos de Kanuri, a guerreira Tupi.
AventureNos primórdios da criação da tribo Guarani, Kerana, a bela filha de Marangatu, foi capturada pela personificação do espírito mau conhecido como Tau. Juntos eles tiveram sete filhos, que foram amaldiçoados pela grande deusa Arasy. Um dos seus filhos...