Entre rosas e espinhos.

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      A chuva batia incessantemente nas pedras ásperas por entre o jardim. O farfalhar das plantas, estavam em sintonia com o balé que as cortinas das janelas da mansão coreografavam. Um vento frio chicoteava a pele das pessoas, que corajosamente, se aventuravam fora de suas casas. A mansão, porém, se mantinha imóvel como qualquer outra construção. Mas a sua imponência fazia emanar o ar de "inabalável".

      O morro ao qual mantinha a construção era relativamente longe da pequena cidadezinha , que se encontrava à oeste dali. Os habitantes , que gostavam de prosas, lendas e principalmente inventar histórias, apelidaram a enorme construção de "cidade vermelha". Grande parte do motivo era a entrada de inúmeras pessoas, que provavelmente trabalhavam no local. "Dá para se construir uma cidade aí!" era o que diziam. E "vermelha", se dava pela quantidade anormal de roseiras que enchiam o local na primavera, e que, infelizmente, tomavam o aspecto assustador durante o inverno. Sendo assim, inventaram que as pessoas que iam para a "cidade vermelha", foram crianças mal criadas e travessas, e seu destino era ser trancafiado dentro da construção de enormes pedras. Os fatos vieram bem à calhar para a história mirabolante.

     Porém, distante e alheia a todas estas especulações, jazia um pequeno corpo sentado no parapeito de uma das muitas janelas existentes naquela propriedade. O rosto de aspecto brando e ponderado, olhos puxados da cor negra, tão negra quanto os olhos de um animal noturno. Pele rosada e cabelos longos igualmente escuros como seu olhar. Lisos como fios de um fino tecido.

     O olhar sórdido e perdido, vagueava entre o jardim de rosas murchas e os pensamentos torturantes. As flores que por muitos dias a mantinham longe dos pensamentos tristes e de seus problemas, já não estavam ali. "É uma pena" pensou. Seus olhos pararam novamente para o céu. Estava nublado e com uma chuva que não cessava a dias. Refletia de certa forma seu estado de espírito. A camisola branca de mangas longas que trajava, estava amarrotada por tantas as vezes que a menina se retorceu em seu canto de refúgio e segurança perto da janela. O único apoio ao qual se encontrava no momento, era um urso de pelúcia, que segurava entre suas pernas, firmemente. Era um dos poucos amigos que dispunha naquela "casa". Um suspiro pesado saiu de seus lábios.

    Minutos se passaram. Minutos estes que se transformara em horas. Longas horas, torturantes e solitárias, dentro daquele luxuoso cômodo. Sua atenção só é capturada, quando avistando ao longe, um carro preto se aproximava dos portões da mansão. Sabia o que aquilo significava. Observando do 2 andar, a garota avista homens com guarda chuvas receberem quatro homens que saíam do veículo. Não conseguiu identificar os outros três, mas um dos rostos era inconfundível. Seu pai estava de volta. Seu corpo se recolheu involuntariamente no canto da janela. Por alguns segundos, jurou ter visto o olhar de seu pai por debaixo do guarda chuva que o cobria.

    Perdeu do seu campo de visão as pessoas recém chegadas. Com certeza seu pai a obrigaria a participar de alguma reunião de negócios. E como detestava isso... Ajeitou-se na janela, procurando uma posição em que se sentisse mais confortável depois do mal estar que acabara de sentir. Apoiou o canto da testa no vidro da janela, observando os respingos da chuva se arrastarem lentamente, travando uma pequena corrida dentro do seu imaginário. Novamente um suspiro é ouvido dentro daquele silêncio esmagador, a fazendo fechar os olhos para relaxar:

- Senhorita Viollet! Senhorita Viollet! Precisa se aprontar, o seu pai chegou e parece estar preparando algo importante para esta noite! - adentrou o quarto uma empregada encarregada de cuidar da filha do dono das propriedades. A entrada esbaforida e um pouco histérica de sua empregada fez com que Viollet levasse um susto, soltando o ursinho que segurava, direto para o chão:

- Senhorita Viollet, eu preciso arrumá-la para receber os convidados juntamente de seu pai! Vamos, não temos muito tempo!

- Cecile, não seja tão ansiosa. Meu pai acabou de chegar. Sabe que ele apenas me chamará se for necessário minha presença- "O que era quase sempre" pensou:

- Mas Senhorita... - choramingou a empregada. Sabia que essa atitude despreocupada de Viollet escondia todas as suas preocupações.

     Depois que Cecile foi contratada e designada para cuidar de Viollet, as duas criaram um laço de amizade e confidência reconfortantes para as duas. Cecile havia deixado sua família para poder trabalhar e receber um salário mais adequado do que uma simples costureira, enquanto Viollet não possuía muito convívio social, e sua solidão a esmagava dia após dia. As duas estavam sós. As necessidades de um ouvido amigo e um apoio emocional, serviram para criar lápides de uma amizade e companheirismo que irão levar para toda sua vida. Uma das coisas que a menina mais gostava em Cecile era a sua personalidade ansiosa, desastrada da qual achava graça. Sempre brincava com a mulher, quando a mesma se embaralhava com as ideias e as palavras que queria dizer. A aparência de sua amiga também era algo bem peculiar: os olhos grandes e esverdeados faziam conjunto com o cabelo na mesma cor presos em um coque perfeito. As roupas de empregada ficavam grandes para ela, já que sua estatura era baixa. As orelhas pontudas, como as de um elfo, se destacavam no rosto que era redondo.

     Ainda observando a empregada organizar todas as coisas que precisaria ao arruma-la, Viollet se perde novamente em pensamentos, imaginando o que poderia ser dessa vez. O que o pai estaria tramando, os homens que vira... Nenhuma ideia brotava em sua mente. Cecile se aproxima de sua Senhorita para arrumá-la. Um vestido simples e elegante era o necessário. Sentou-se em seguida para que pudesse ter seus longos cabelos penteados. Em um tempo estava pronta.

   Saíra do quarto com Cecile ao seu lado. Caminharam pelos corredores da mansão, gélidos e de pouca decoração. O choque de seus sapatos contra o piso era o único som que se poderia ouvir. Ao descer das escadas, percebe o cochicho e o grande alvoroço por parte dos empregados. O chefe dos mordomos, Piérre, gesticulava e falava vigorosamente em todas as direções para todos os empregados, dizendo "non, non, non!" a cada errinho por eles cometido. Não dava para se saber o que estava acontecendo:

- Verei o que está havendo - disse Cecile e logo em seguida, rumou para onde Piérre estava, tentando se desviar de todos os empregados em seu caminho. Voltou nervosamente para a direção de Viollet, dizendo:

- Seu pai está te esperando no escritório dele, no corredor principal, e Piérre disse que hoje à noite haverá uma grande comemoração, mas não sei sobre o quê... - terminou de falar abaixando seu olhar, por não ter conseguido uma informação mais precisa. O homem que comandava a tudo não lhe dera atenção:

- Não se preocupe Cecile, verei o que meu pai quer.

- Eu a acompanho- Caminharam para fora do hall e se dirigiram ao corredor principal. A sala onde se encontrava o escritório do seu Pai, era a última, com as maiores portas e mais robustas maçanetas que alguém pode imaginar:

- Eu a deixarei aqui, preciso continuar meus afazeres para a preparação do jantar- e com uma reverência, a mulher se retirou da presença de Viollet. Depois que se encontrou completamente sozinha naquele corredor, ela resolveu bater na porta. Três vezes, nem mais nem menos. No mesmo instante uma voz trovoou de dentro do cômodo, a indicando permissão para entrar.

       A sala era de um verde musgo escuro, com uma grande mesa de vidro ao centro dela, bem à frente de uma janela que ocupava a parede quase que por completo. As paredes repletas de livros e documentos foram testemunhas das vezes em que foi humilhada naquele escritório. Sentia seu estômago embrulhar, mas permanecia impassível, e a postura respeitosa, perante aos três indivíduos sentados ao longo da mesa. Um deles tinha o corpo musculoso, cabelos loiros com dois "chifres" , um rosto carismático, e um sorriso que parecia colado à sua face. O segundo, totalmente o oposto do primeiro, mais baixo, magricelo, roupas pretas, cabelos emaranhados e pretos, a expressão que esboçava grande tédio e barba por fazer. E o terceiro emanava imponência em seu olhar. Também com o corpo robusto, um bigode que pegava fogo, e tão alto quanto o primeiro. Á ponta da mesa, um homem se sentava de lado, apoiando o braço direito sobre o vidro e olhando a chuva cair pela janela. Este se levanta e encara a menina com desprezo:

- Estou aqui, meu pai...


Amor de uma RosaOnde histórias criam vida. Descubra agora