Caos

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Eu era o caos, e essa sensação eminente que faz parte de mim que só piorava com o inicio das aulas. Aquela euforia na compra de matériais, uma ansiedade para usar tudo de uma vez, e aquele friozinho na barriga um dia antes de o ano letivo começar. Eu sempre fui do tipo intensa, das dores aos amores, e isso nem sempre andava ao meu favor. Eu geralmente ignorava as dores, principalmente na frente de todos, demonstrar fraqueza ou fragilidade nunca foi fácil, e de uma forma ou de outra, isso acabou se tornando parte da minha personalidade. Sempre fui cheia de sonhos, mas meus objetivos vinham na frente. Ser dona do "próprio nariz". Isso envolvia estudar, trabalhar e não depender de ninguém. Esse era meu foco, terminar o colégio sem distrações. Mas não era bem assim. Nunca, tudo saia do jeito que esperava. Os amores se resumiam a apenas uma pessoa, a mais de um ano.
Era ela, sempre ela.
Enquanto meus pés caminhavam pelo corredor do colégio, meus olhos traiam minhas convicções e tudo que um dia eu pensei acreditar. Ela conversava com duas meninas e ria distraidamente. Eu juro que tentava desviar o olhar, mas era como se a garota fosse um imã, e também um lembrete de tudo aquilo que eu jamais teria. Como em várias outras vezes eu fechava esse desejo proibido e fingia que ele não existia, que ele nunca existiu. O primeiro dia de aula não foi tão ruim como imaginava que seria, assim como os dias seguintes. Os "grupos" já estavam formados, determinadas pessoas se juntavam por gostos, afinidades e interesses. Criávamos uma bolha com as pessoas que mais gostávamos e nos agarrávamos aquilo. Essa era sim, a melhor forma de sobreviver ao ensino médio, principalmente a o ultimo ano dele.
Ser bissexual nunca foi fácil principalmente pelo fato de uma pequena minoria de pessoas saberem sobre isso. As vezes uma vontade enorme de se assumir reinava em mim, mas ela logo passava, e eu percebia que a única aceitação que me bastava era a minha, comigo mesma. Minhas poucas experiências com meninas me ajudaram a ver o quanto isso é real, e que não, não é só desejo, muito menos tesão, ser assim é o que eu sou, é como eu sou.

-Vou passar as duplas e vocês irão trabalhar juntos durante o primeiro semestre. -Várias reclamações tomaram conta da sala, incluindo as minhas. Biologia não era minha matéria favorita, e a professora não ajudava com esse fato impondo duplas aleatórias e nos tirando de nossa zona de conforto. -Manuela Tavares e Joana Ávila.-Sou abruptamente tirada de meus devaneios.

Não. Isso não pode estar acontecendo.
Levanto os olhos em sua direção, e ela me olha sorrindo. Sinto minhas pernas fraquejarem e agradeço por estar sentada. Ela arqueia a sobrancelha e faz um gesto com a mão perguntando se ela vem até mim ou eu até ela. Não tenho reação, ela percebe minha falta de atitude e pega sua mochila vindo até mim. Sou inundada por seu perfume, o que não contribui em nada com minha inércia.

-Eu sei que queria fazer esse trabalho com alguma amiga sua Manu, mas difarça, estou me sentindo bem burra pela expressão que você está fazendo.

-Não é isso, é...que bom que será nós duas. -Alguém podia dar na minha cara por favor? Não existia algo melhor a ser dito?

Esse dia também passou, era inacreditável como essa garota me tirava dos eixos. Ela me desestabilizava me fazendo ter picos inconstantes de humor. Sempre fui decidida, dona de mim e tudo que eu acredito, mas ela chegava e colocava tudo a prova me fazendo perder o controle, me fazendo quebrar limites. Com o tempo viramos "amigas", aquele desejo tinha adormecido, eu apreendi a lidar com ela e suas variáveis. Eu até podia ser o caos, mas aquela garota...ela era a tempestade.

-Você está bem dispersa hoje Manu. -Bufo com seu comentário, ela adorava que cem por cento da atenção a sua volta estivesse nela mesma.

-Se você fosse mais responsável já poderíamos até ter terminado, mas invés disso prefere ficar no mundo da lua. Como sempre.

-Ta querendo me irritar? -Respondo impaciente.

-Estou constatando um fato.-Da de ombros jogando o seu caderno do outro lado da cama.

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