Sua Origem

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Do lado de fora, o vento compunha uma sinfonia desconexa em conjunto com os flocos de neve escorrendo torrencialmente até o asfalto e calçada, batendo na janela de vidro do sei lá qual andar em que eu estava no momento.

Virava com dificuldade de um lado para o outro na cama, sentindo dor em cada músculo e cada nervo. Meu cérebro parecia não querer descansar depois de tanta informação que fora absorvida em tão pouco tempo...

Nada parece real...

Apesar daquele medo, aquele pânico instaurado sobre todo o meu ser, desejando com todas as forças que aquilo fosse uma mera ilusão da minha mente, ainda consigo sentir arrepios da base da minha espinha até minha nuca ao apenas me lembrar de sua voz baixa e grave, suas mãos sujas tocarem toda minha extensão. Ou eu seria o sujo naquela situação? Meus poros e pelos se eriçaram ao seu simples toque. E o seu cheiro da terra molhada após uma chuva inebriava meus sentidos, eu era consumido de forma crua.

Como eu pude deixar alguém fazer isso comigo? Por que não pude controlar? Por que eu não conseguia nem ao menos enxergar seu rosto e seu corpo?

    Minha garganta queima de dentro pra fora e meu estômago se aperta e em um movimento que se tornou comum desde que cheguei a esse lugar é novamente feito, colocando apenas a cabeça para fora e apertando os nós dos dedos no lençol até sentir que mais nada sairia e o gosto ácido parecer corroer meus lábios e vias aéreas, enquanto minhas bochechas eram molhadas pelas lágrimas que escorriam pelas mesmas.

    Meu corpo reseta e encosto minha cabeça no travesseiro macio até demais, cobrindo-me com o cobertor até os ombros, virando em direção a janela de vidro duplo, conseguindo perceber pelo som que a nevasca aumentava mais e mais, como meu avô tinha dito antes de eu sair para a escola...

    Respiro fundo e fecho os olhos. Eu só quero dormir! Só quero esquecer tudo isso e fingir que eu não sou eu, que por um momento Yuri Plisetsky Mallmann nem ao menos existe.

    O barulho me faz recordar de cenas comuns na minha infância, quando nas férias escolares, lá estava eu na casa dos meus avós, chorando e tremendo, com um medo imenso dos estrondos que os raios e trovões causavam, encolhido em minhas próprias pernas, que grudavam em meu peito enquanto abraçava elas.

    Meu avô lentamente abria a porta do antigo quarto de sua filha, minha mãe, e sorria, transparecendo toda a sua firmeza e em poucos passos, já estava em minha cama, sentando sobre as colchas macias. Estendendo sua mão, eu entregava a minha a ele e me aconchegava em seu colo, abraçando-me até eu cair no sono, passando suas mãos que, apesar de calejadas, pesadas e firmes, possuía calma e um sentimento que parecia dizer: "Está tudo bem, vai passar." 

Tudo que eu queria e desejava é que ele estivesse aqui para me acalentar no meio da tempestade que estava tendo do lado de fora e a que estava acontecendo dentro do meu peito.

– Yuri? Ouvi um barulho estranho vindo do quarto, está tudo... – Yuuri para de falar assim que liga a luz do quarto pelo interruptor, fazendo meus olhos arderem com a claridade artificial. Viro com dificuldade e seu rosto aparenta decepção ao ver que eu tinha novamente regurgitado. – Yuri... se você não conseguir manter nada em seu estômago, não poderei dar alta para você ir para casa. Terá que tomar mais de soro e algum remédio para cortar seu enjoo. De novo.

– Bom, se você tiver uma solução para me fazer esquecer o que aquele babaca idiota e filho da puta fez comigo, talvez eu consiga parar de vomitar. Você tem? – Falo tudo de uma vez, vendo-o suspirar. 

Breaking the RoutineOnde histórias criam vida. Descubra agora