Pyeong Chang

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Meia dúzia de criadas auxiliavam Pyeong Chang a se preparar para a ceia daquela noite, trajando-a com a mais fina seda e adornando seus belos cabelos escuros com jade, marfim e ouro. À primeira vista poderia parecer uma preparação exagerada para jantar apenas com seu irmão, mas a princesa coreana jamais abriria mão de uma apresentação impecável. Há muito aprenderá que o poder maior das mulheres residia nos detalhes, nos bastidores, na arte de falar com um sorriso e incutir nos homens a impressão de que suas decisões eram sempre independentes, mesmo quando não passavam de marionetes controladas por ela e por seus charmes. Em sua filosofia de vida, tudo tinha um significado, desde um olhar à cor de cada um de seus vestidos e apenas ela sabia o real motivo de cada um de seus atos, de suas palavras, como o leque que encobre um rosto, quer sorridente ou em prantos. E assim ela conseguira angariar apoio e admiração, tanto da plebe quanto da corte.

Quando deixou seus aposentos a noite já caíra sobre o palácio. Seu andar era gracioso como o de uma garça e a brisa noturna a esvoaçar suas vestes de seda conferiam-lhe ainda mais beleza e boa impressão, quer fosse dos espectadores que passavam por ela, quer por si própria. Pois outra de suas lições de vida era a de que ninguém jamais a veria como bela, graciosa, ou inteligente se ela não visse a si mesma daquele modo. Pyeong achava incrível como uma personalidade tão viril tinha sido parida pela princesa-herdeira, de tudo ignorante e em tudo subserviente a Munjong, como um cordeiro. – Então nosso pai conseguiu afastá-lo enfim? – Anunciou-se ao entrar imperiosa pelos aposentos de Jung Kook, sorrindo para dissimular sua real preocupação.

O herdeiro era seu único irmão e, por ser mais velha, Pyeong Chang agira sempre como uma protetora do jovem, de modo que por detrás daquele sorriso e da maquiagem, seu semblante era tão severo como o cume das montanhas mais altas. – Você está sozinho? – Indagou ao notar o silêncio fraterno conforme sentava-se à mesa para se servir com vinho de arroz, deixando o jovem príncipe à porta de seu aposento, dedilhando uma melodia triste em seu gayageum¹.

– Estou. – Jung Kook respondeu e sua irmã pôde sentir o peso em sua voz; uma amargura nunca antes ouvida pelos lábios de seu pequeno raio de sol. – E sim... Devo me encontrar a princesa Yixing em Wihwa. – A princesa bebericava seu vinho com delicadeza e aproveitava o tempo entre um gole e outro para refletir, enquanto o irmão permanecia com o olhar perdido no horizonte, além das muralhas do palácio, onde erguia-se a cadeia montanhosa que circundava a capital de Joseon.

– Temo que nosso pai tente alguma coisa na sua ausência. – Na verdade, com ou sem a presença do herdeiro escolhido por Sejong, a princesa temia um movimento inesperado de seu pai. A escolha do rei ao preterir Mujong por seu próprio filho não havia sido fácil e ainda não fora completamente oficializada, de modo que Pyeong sentia toda a corte instável, como se o próprio palácio se ergue-se sobre a boca de um vulcão prestes a explodir. – Já há algum tempo minhas criadas reportam boatos a respeito das faculdades mentais do rei. E outros informantes dizem que praticamente todos esses boatos surgem nos lábios daqueles mais próximos do Appa². – Na presença de seu irmão, a princesa permitia-se um tom franco que jamais expressara com outrem, nem mesmo com Nam Joon, apesar de reconhecer no preceptor uma inteligência mais acurada para a política palaciana do que em pobre irmão. No entanto, mesmo ali, tomava cuidado para não se expressar em voz alta demais, sabendo que a audição musicalmente treinada de Jung Kook a ouviria de modo claro e evidente, apesar de o rapaz parecer completamente absorto em seu próprio mundo.

– Por um lado esse casamento será muito útil. – Ela continuou. – Ainda que ele ensaie algum movimento contra o rei. Ao voltar com apoio do Imperador você terá influência suficientes para cumprir os desígnios de nosso avô. – No fundo, então, o movimento do príncipe-herdeiro parecia infundado, ou, no mínimo, mal elaborado. E aquilo fazia-a beber ainda mais, conforme naufragava em suas próprias maquinações, buscando compreender a mente do pai e de seus partidários. Os segundos não eram difíceis de se ler, ao menos não para ela. Como abutres em redor de um animal moribundo, esperavam conquistar a confiança do herdeiro preterido com bajulações e esquemas sinuosos, a fim de controlar a mente instável de Munjong quando o velho rei estivesse fora de jogo e o jovem favorito de Sejong, indisponível. Mas seria seu pai assim tão estúpido ao ponto de não ver aquilo?

O Tigre e o Hibisco [JIKOOK]Onde histórias criam vida. Descubra agora