Ato 01.

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A mulher que se retorcia deitada na maca não fazia ideia do que os homens que a cercavam faziam com seu corpo. Todos estavam vestidos com trajes de proteção contra contaminação por vírus e outros riscos biológicos, as roupas os faziam se parecerem com enormes robôs de cor branca. A mulher era loira e estava sedada havia algumas horas, mas mesmo o mais forte sedativo que lhe fora ministrado era incapaz de apagar por completo seus sentidos.

Os olhos da mulher abriram-se devagar e ela sentiu uma onda de dor percorrendo cada célula de seu corpo. A sensação naquele momento era a de milhares de alfinetadas lhe atingindo simultaneamente. Ela gritou alto. E gritou novamente. E gritou de novo e de novo. Por fim desistiu, sua voz não chegava obviamente a ninguém. Reunindo as poucas forças que lhe restavam moveu-se na maca com dificuldade e olhou para os lados. Estava em uma sala muito clara, o teto e as paredes eram brancas e as luzes estavam todas acesas. Ao tentar levantar o corpo a mesma dor de antes lhe invadira a carne novamente e ela então compreendeu que estava toda perfurada por diversas agulhas. Recebia tratamento intravenoso intenso, haviam diversos suportes e ela estava sendo manipulada por eles. O que seriam aquelas coisas? O que estavam aplicando nela? Por que estavam fazendo aquilo com ela?

Num surto de fúria a mesma removeu as agulhas com força, ignorando a dor ao puxar os diversos tubos de borracha. O chão revestido de piso branco tingiu-se de vermelho pelo diversos pingos de sangue. Sentada na beirada da maca a mulher relaxou, ou ao menos tentou relaxar o quanto conseguia recuperando a respiração ao seu estado normal novamente. Estava nua.

Sentiu um arrepio lhe subir pelas pernas quando saltou para o chão gelado, então se virou e puxou o lençol branco descartável e o enrolou em seu corpo. As paredes brancas da sala não possuíam nenhum detalhe, não era um quarto comum. Havia no teto um suporte tecnológico com diversos cabos, e muitos tipos de ferramentas cirúrgicas. Aquela era uma sala de operações. O que teriam feito com ela e quem fizera? Lembrava-se apenas de ouvir diversas vozes e de um grupo de homens a cercando, todos vestidos com trajes brancos e visores negros que impossibilitava ver seus rostos. O primeiro instinto – fugir. Mas e se aquilo tudo fosse apenas um teste? Como ter certeza de que não a estavam vigiando? Poderia estar sendo usada como um rato de laboratório, poderia estar sendo observada, gravada, vigiada apenas para que pudessem registrar suas ações e estudá-la. Quanta paranoia – pensou um instante depois, de onde estariam vindo aquelas ideias absurdas em sua mente? Não importava, a única coisa que importava era a chance de escapar dali, de sentir-se livre.

Na sala toda apenas três coisas eram visivelmente notáveis, o suporte no teto, uma enorme janela de vidro espelhado e uma porta com travamento eletrônico. A mulher correu até a janela e grunhiu todo tipo de ameaças e desaforos que pode, mas não houve qualquer tipo de resposta. Por fim, desistiu e foi até a porta, que parecia estar trancada e travada. Ficou observando a mesma por um tempo. Sem um cartão de acesso não conseguiria sair. Pensara em apanhar alguma das agulhas que a perfuravam momentos antes e usar para causar um curto circuito no sistema e talvez assim abrir a porta, mas desistiu rapidamente, essas ideias eram idiotas, isso só acontecia em filmes.

Enquanto pensava no que poderia fazer e no que teriam feito com ela um ponto muito mais importante a atingiu em cheio os pensamentos. Quem era ela? Correu até a janela espelhada e encarou sua própria face e então seu corpo todo no enorme objeto na parede. Era uma mulher loira, olhos azuis, pele bem clara. Era alta e magra, tinha seios pequenos e sua expressão era bastante séria. Mas nada a lembrava de quem poderia ser. Por que não se lembrava? Seria algum efeito do que estavam injetando em seu corpo? Seria temporário ou permanente? Se lembraria de quem era, afinal de contas? Irritada pela falta de respostas a mulher começou a socar a janela, então virou-se na direção da porta, claramente insatisfeita com aquela situação, detestava a ideia de estar ali presa como uma cobaia. O barulho de estática foi seguido pelo de uma explosão e então várias faíscas saíram da porta que abriu-se apenas uma pequena brecha. Sem pensar duas vezes a mulher correu imediatamente até a porta, uma pequena passagem havia surgido, mas o restante nem se movia. Agora ela podia ver que aquela porta tinha cerca de trinta centímetros de aço sólido de espessura. Assustador, mas também curioso. Fosse lá o que fosse que mantinham naquela sala ou pesquisavam ali era de extrema relevância para manterem uma segurança daquele nível. O que teria feito a porta se abrir daquele jeito?

Com dificuldade a mulher passou pela brecha e se viu em um corredor escuro e gelado. Diferente da sala anterior, completamente iluminada, o corredor era de um breu profundo, a escuridão seguia até além de onde ela era capaz de imaginar. Algo lhe dizia que não estava ali sozinha, sentia-se observada, vigiada, mas seja lá o que fosse, não ouvia ou via nada.

Sem se deixar pensar demais a mesma correu pelo longo corredor, algo lhe dizia que devia escapar daquele lugar o quanto antes. Finalmente um ponto de luz apareceu e aos poucos foi tomando forma, a forma de uma porta dupla de vidro. A mulher nem pensou duas vezes, apenas se lançou contra ela e a abriu. Como era boa a sensação de confirmar que não estava trancada. Com poucos passos a mesma se viu do lado de fora, a luz do dia a atingiu e ela finalmente sentiu-se viva de verdade. Nem se importara naquele momento com o fato de que estava totalmente nua. Após respirar profundamente e sentir-se livre a mulher olhou de volta para a direção de onde havia vindo e viu a enorme placa com a inscrição Hospital Memorial de Raccoon. Como?

Um turbilhão de imagens e pensamentos invadiu sua mente de uma única vez e ela caiu de joelhos ao chão com uma dor muito maior qual a que sentira ao acordar. O que fazia no hospital e como era possível uma sala como aquela que ela acordara naquele lugar? Ela mesma já havia passado por ali diversas vezes, era impossível que aquele hospital tivesse suporte para uma instalação tão moderna quanto a que vira naquela sala em que estivera. Apenas nesse momento a mulher olhou em volta, percebendo o estado em que se encontrava a cidade onde estava. Um calafrio percorreu sua espinha e ela sentiu seu estômago embrulhar.

As ruas estavam completamente desertas. A julgar pela claridade não deveria ser mais que a hora do almoço, mas não havia ninguém em lugar algum. Além disso, a desordem e o caos imperavam. Haviam carros batidos por toda parte. Lojas e bares com suas vitrines quebradas, prédios destruídos, depredados e provavelmente saqueados. Seja lá o que tivesse acontecido as pessoas haviam fugido com pressa, com medo.

A mulher então viu uma viatura que havia se chocado contra um hidrante na calçada da frente da porta do hospital. Parecia não haver ninguém e o hidrante lançava água por toda a rua. Aproximando-se com cautela a mesma olhou para dentro do veículo e constatou que realmente não havia nenhum policial acidentado. Não sabia dizer se aquilo era um alívio ou um problema. Esticando a mão apanhou uma jaqueta com as letras RPD (Raccoon Police Departmant – Delegacia de Polícia de Raccoon) e a vestiu. Vasculhou o porta-malas e encontrou botas e uma calça. Não estava confortável, mas lembrava-se de uma loja de roupas femininas na avenida principal e de uma loja de caça por perto. Se tivesse sorte ficaria mais confortável e equipada visitando esses lugares. Como ela sabia utilizar armas de fogo? – pensou. De qualquer forma, o que importava era que sabia e isso bastava. Ao terminar de se vestir verificou o restante da viatura, mas não encontrou nenhuma arma. Era óbvio que não – imaginou consigo mesmo – No meio daquele caos as pessoas certamente haviam apanhado todas as armas que conseguiram para fugir. A polícia certamente se tornara um alvo. Nesse momento algo bateu em seu pé.

Era apenas uma folha de jornal suja e rasgada que voava com o vento e ficara preso na bota. A mulher o apanhou e levantou-o para ler. A primeira notícia a chocara, parecia coisa de filme. “Os mortos andam” – dizia a notícia. Como isso era possível? E se aquilo não fosse uma piada, onde eles estavam? Amassando o jornal e o lançando no chão a mulher suspirou e pensou que era melhor não saber a resposta para aquela pergunta.

Nesse momento ela notou um símbolo em particular ao lado das letras em relevo na fachada do hospital. O logotipo era de uma empresa farmacêutica conhecida. Era uma sombrinha vista de cima, com suas divisões em vermelho e branco. Corporação Umbrella. Outra descarga de memórias e lembranças atingiram-lhe a mente e ela caiu de joelhos novamente. Agora lembrava-se de mais um detalhe importante. Seu nome era Alice.

Resident Evil: Wonderland ProjectOnde histórias criam vida. Descubra agora