Capítulo dois. - A Perda Muda

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A chuva era forte, fria e barulhenta do lado de fora da cabana, castigando os telhados de palha encharcando no chão de terra vermelha, era possível ouvir o barulho das passadas pesadas dos moradores e serventes do lado de fora, o som molhado dos pés afundando na lama, as roupas de couro molhada batendo na pele e às ordens gritadas eram abafadas pelas paredes de madeira da cabana, a lareira dentro da casa de pau a pique espantava o frio de quem entrasse, mas naquela noite ninguém era permitido na casa de Dáhrion, sua mulher contra todas as possibilidades estava dando a luz a seu primogenito.

Cada grito de dor que saia de sua garganta recebia uma resposta do universo, cavalos no estábulo ao lado relinchavam e batiam seus cascos no chão lamacento, totalmente descontrolados e inquietos, o céu brilhava e gritava com trovões e relâmpagos ensurdecedores era como se não aprovassem a bênção ou se de algum jeito quisessem ajudar a ruiva a dar a luz. A dor era excruciante, nunca sentida por ela, que como seu âmago mandava só pensava, que logo agora, logo hoje, quando a nova vila está em construção, não deviam se preocupar com uma grávida.

— Vamos Izzy, você consegue, já ajudou muitas mulheres agora é sua vez. – Fala Ryna do meio de suas pernas enquanto Serene ao seu lado colocava panos quentes em sua cabeça, ela se controlava para que não atacasse nenhuma das duas, ela precisava de sangue, e precisava de toda a sua força para colocar aquele pequeno ser para fora. Sentia-o dentro de si querendo rasgar passagem para fora, querendo sair a todo o custo, a cada contração era como uma morte em vida, e para ela parecia errado que ele estivesse sugando tanto de sua força.

Com um grito de dor fez força para terminar o serviço, mas estava exausta como nunca se sentiu, as costelas doíam com a respiração, as costas pareciam ser esmagadas a cada contração, suas pernas estavam dormentes, suas partes pareciam estar em brasa, seu corpo implorava por sangue que ela não poderia ter, sabia que perderia o controle em algum momento.

— Serene, vá chamar Dináh. Agora! – A ruiva disse, gritaria se tivesse forças, sua voz estava embargada pelo choro e cansaço, com a respiração entre cortada ela implorou para que a loira fosse rápida.

Ao lado de fora da casa, Dáhrion andava em círculos ao lado de Mikael, o garoto que um dia ajudou hoje tinha seis anos, fora criado como um filho por ele e Isabella, assim como sua irmã. Ao ver a loira sair da casa ele foi a seu encontro ávido por notícias de Isabella, fazia quase um dia que o trabalho de parto tinha começado e ela ainda não conseguira dar a luz, ele tinha medo do que isso significava, na sua tribo às mulheres já sabiam que quando era estendido às chances da mãe sobreviver eram baixas e por isso tentavam de tudo para salvar o bebê.

— Como ela está Serene? – Perguntou desesperado por alguma notícia da amada.

— Como uma mulher dando a luz, ora essa. – Ao terminar a frase o grito agudo de Isabella irrompeu junto com o relinchar dos cavalos e os trovões no céu, transformando o rosto do nortista em uma careta, mas servindo de lembrete para a loira, ela precisava ser rápida. – Se acalme Dáhrion. Eu estou procurando Dináh sabe onde ela está?

— Na cabana dela provavelmente. – Disse o ruivo agora com o coração mais angustiado do que nunca. No segundo seguinte Serene corria pela vila em direção á casa de Dináh, ela sabia o que Isabella era, e sabia que Dináh era uma bruxa, mas não era da conta dela, nenhuma das duas em momento algum fez algo com ela ou o irmão então ela se contentava em ajudá-las como podia.

— Ei! Quer quebrar a mão ou minha porta Serene? – Exclamou Dináh assim que abriu a porta, a mulher mais velha mal parecia mãe de 5 crianças onde a última, Safhi, tinha pouco menos de 1 ano, Dináh estranhou o estado da mais jovem a sua frente, descabelada e ofegante, como se tivesse corrido por horas a fio. – O que houve? – Perguntou logo em seguida já se endireitando. Sabia que o parto de Isabella estava próximo, por suas contas faltava pouco mais do que uma lua.

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