Você não pode fumar aqui

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Noah

Olha, eu queria dizer que minha vida está uma porra. Pronto, falei - ou escrevi, tanto faz.

E essa convicção toda vem do simples fato de exatamente nada funcionar do jeito que eu quero ou planejei. Tudo bem, eu sou realmente péssimo em planejar, ou talvez o problema seja pôr em prática. Eu juro que há cinco anos atrás eu tinha pensado que agora estaria em Maldivas, no meu iate particular com, no mínimo, três gatinhas como acompanhantes e bebendo o espumante mais caro que conseguiria encontrar.

Devo me antecipar ao dizer que eu não tinha a mínima ideia de como chegaria aí e que esse sonho patético nunca fora cogitado por mim, mas sim pelos meus amigos da época. Era tão comum eu me sentir deslocado em todos os grupos que eu acabei por me acomodar na panelinha em que eu menos mentia e fingia sobre quem sou - precisava me fazer parte dela, é claro. Assim eu me cansava menos.

Mas essa parada das ilhas Maldivas foi realmente incrível. Eu não me importo em estar num hotel subaquático, de jeito nenhum. Só dispenso as três ou mais gatinhas do plano inicial, pois não me convém. Ah, sejamos honestos, eu com certeza fugiria delas no quinto minuto de conversa e provavelmente passaria a flertar com o garçom ou sei lá.

Será que é isso que esse homem de calça capri está fazendo ao me olhar fixamente por mais de cinco minutos? Ele está com uma moça, mas não tira os olhos de mim. Credo, que medo. Sempre me caguei com esses macho que te olha como se tivesse te comendo, só que de uma maneira tão agressiva que tu já quer ligar 190 e denunciar por assédio.

Continuando, é exatamente isso o que eu quero falar. Sei lá, eu poderia estar em Maldivas, né? Deixaria meu celular nos Estados Unidos, levaria uma máquina fotográfica, passaria o dia inteiro numa rede enquanto beberia uma limonada ou qualquer porcaria gelada. Juro que não reclamo, juro de dedinho!

Mas aqui estou eu neste restaurante, andando de um lado para o outro com uma bandeja, uma caderneta e uma caneta na mão. Não deixo de pensar em como vim parar nessa situação, a ponto de me jogar em qualquer emprego só pra pagar o aluguel em dia. Não era esse o meu planejamento de vida. Bem, eu faço tudo errado mesmo.

Ah, ótimo. O cara de calça capri acaba de me chamar e eu não sei se corro ou sorrio como me instruíram a fazer. Cerca de vinte minutos estou nessa droga de teste para garçom e tem uma dúzia de avaliadores circulando aqui. Ok, mera hipérbole da minha parte, mas eu estou tão nervoso que no olhar de um só serhumaninho em mim, eu já tremo todo.

- Sim, senhor? - digo e, pelo o que percebo, ele já está servido.

- Você sabe por que eu não paro de te olhar? - ele pergunta e eu tremo todo.

O que me faltava nesse momento era ele pedir meu telefone. E quem ele é, afinal de contas? Está usando máscara num restaurante francês e nisso eu estou implicitamente gritando um "wtf" bem grande. Deve ser um louco, sei lá. Vamos manter a classe mesmo assim.

- Não, senhor.

- A bandeja - é o que ele fala e eu não entendo é nada. - Você tem servido bebidas, certo?

- Eu servi a mesa quatro agora mesmo. Eles pediram bebidas - nem sei por que estou falando isso como se devesse-lhe satisfações.

- A bandeja - ele aponta. - Estou olhando para você porque você segura a bandeja de maneira errada e isso pode causar algum acidente.

Mas quem ele pensa que é para falar de mim? Ele está de sandália e calça capri num restaurante, fala sério! Além do mais, nem dá pra ver o rosto dele direito com esse cabelo longo cobrindo o que a máscara deixou livre. E ele ainda está usando um óculos redondo e eu só quero perguntar se, sei lá, o FBI está caçando ele ou algo do tipo. Parece mais suspeito que os próprios bandidos.

café et cigarettes  ✰  Nosh  ❖  Now UnitedOnde histórias criam vida. Descubra agora