2-Antes

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No começo, há fogo.

Fogo nas minhas pernas e nos pulmões, fogo dilacerando cada nervo e cada

célula do meu corpo. É assim que eu nasço de novo, em agonia: emergindo da

escuridão e do calor sufocante. Forço passagem por um espaço escuro e úmido de

ruídos e odores estranhos.

Corro e, quando não consigo mais correr, sigo mancando, e quando não

consigo nem mais mancar rastejo, centímetro por centímetro, cravando as unhas no

solo como uma minhoca que desliza pela vegetação alta de uma selva nova e

estranha.

E sangro, também, ao nascer.

Quando percebo que fui atingida, não sei ao certo o quanto avancei na Selva

nem há quanto tempo estou me embrenhando cada vez mais na mata. Ao menos

um dos reguladores deve ter me acertado enquanto eu pulava a cerca. Uma bala me

atingiu de raspão logo abaixo da axila, e minha camiseta está encharcada de sangue.

No entanto, tive sorte: o ferimento é superficial. Mas ver tanto sangue, a pele

arrancada, torna tudo real: este lugar novo, a vegetação densa, monstruosa, por

todos os lados, o que aconteceu, o que deixei para trás.

O que me foi tirado.

Não tenho nada no estômago, mas ainda assim vomito. Tusso e cuspo bile nas

folhas finas e lustrosas que me rodeiam. Pássaros piam lá no alto. Um animal que

veio investigar o que acontecia volta apressado para o emaranhado de vegetação.

Pense, pense. Alex. Pense no que Alex faria.

Alex está aqui, bem aqui. Imagine isso.

Tiro a blusa, rasgo uma tira da barra e amarro a parte mais limpa no peito, com

força, para comprimir a ferida e estancar o sangramento. Não faço ideia de onde

estou, tampouco sei para onde estou indo. Meu único pensamento é seguir em

frente, continuar andando, adentrando cada vez mais a mata, seguindo para longe

das cercas e do mundo de cães, armas e...

Alex.

Não. Alex está aqui. Você precisa imaginar.

Passo a passo, luto contra espinhos, abelhas e mosquitos, afasto os galhos

grossos e cheios de ramos, atravesso nuvens de pernilongos e a bruma que paira no

ar. Em determinado momento chego a um rio: estou tão fraca que quase sou

PandemônioWhere stories live. Discover now