21-Agora

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O túnel por onde seguimos é um declive. Por um minuto imagino que estamos

indo para o centro da Terra.

Bem adiante há luz e movimento: um brilho intenso, e sons de objetos

batendo e pessoas falando. Meu pescoço está molhado de suor, e a tontura está mais

forte que nunca. Tenho dificuldade de me manter de pé. Tropeço e quase não

consigo me equilibrar. O homem-rato avança e segura meu braço. Tento me soltar,

mas ele mantém a mão firme em meu cotovelo e passa a andar a meu lado. Seu

cheiro é horrível.

A luz nos alcança, expande-se e ilumina um aposento enorme cheio de fogo e

pessoas. O teto acima de nós é abobadado, e emergimos da escuridão para um lugar

com plataformas altas dos lados, sobre as quais mais monstros — pessoas

esfarrapadas, maltrapilhas e sujas, todas pálidas demais, com olhos semicerrados e

mancando — caminham por entre latas de lixo de metal. Há fogueiras acesas em

cada uma das lixeiras, de forma que o ar está tomado de fumaça e cheiro de óleo

velho. As paredes são de azulejo e estão cobertas de anúncios desbotados e

pichações.

Enquanto avançamos pelos trilhos, as pessoas se viram para olhar. São todas

debilitadas ou deformadas de alguma forma. A maioria não tem algum membro ou

possui algum outro tipo de deficiência: mãos minúsculas e encolhidas, tumores

estranhos no rosto, colunas curvadas ou membros aleijados.

— Suba — diz o homem-rato, indicando a plataforma com o queixo. É alta

demais.

As mãos de Julian ainda estão amarradas às costas. Dois dos maiores homens

que estão na plataforma se aproximam e o seguram por debaixo dos braços,

erguendo-o dos trilhos para ajudá-lo a subir. O corcunda se move com graça

surpreendente. Vejo braços fortes e pulsos delicados e finos. Uma mulher, então.

— Eu… eu não consigo — digo. As pessoas nas plataformas pararam de andar

agora. Estão olhando para Julian e para mim. — É alto demais.

— Suba — repete o homem-rato.

Eu me pergunto se são as únicas palavras que ele conhece: de pé, ande, suba,

desça.

A plataforma fica na altura dos meus olhos. Apoio as mãos no concreto e tento

me erguer, mas estou fraca demais. Caio para trás.

— Ela está machucada! — grita Julian. — Não está vendo? Pelo amor de

Deus… precisamos sair daqui.

É a primeira vez que ele fala desde que os Saqueadores nos encontraram, e sua

voz está repleta de dor e medo.

O homem-rato me puxa de volta para a plataforma, mas, desta vez, como se

obedecessem a um acordo implícito, alguns dos observadores se movem ao mesmo

tempo em nossa direção. Eles se agacham na beirada da plataforma e esticam os

braços. Tento me desvencilhar, mas o homem-rato está atrás de mim. Ele me

segura com firmeza pela cintura.

— Pare! — Agora Julian está tentando se soltar dos captores. Os dois homens

que o ajudaram a subir na plataforma ainda o seguram com firmeza. — Solte-a!

Mãos surgem de todas as direções para me segurar. Rostos monstruosos pairam

sobre mim, flutuando na luz tremeluzente.

Julian continua gritando:

— Estão me ouvindo? Soltem-na! Deixem-na em paz!

Uma mulher avança pela multidão em minha direção. Ela parece não ter parte

do rosto; sua boca está retorcida em um sorriso horrível.

Não. Quero gritar. Mãos me agarram e me levantam para a plataforma.

Esperneio; eles me soltam. Caio de lado, violentamente, e viro de barriga para

cima. A mulher do rosto pela metade está de pé à minha frente e estica as mãos em

minha direção.

Ela vai me estrangular.

— Fique longe de mim! — grito, debatendo-me, tentando afastá-la.

Bato com a cabeça na plataforma, e por um segundo mil cores explodem em

minha visão.

— Fique parada — diz ela, com uma voz tranquilizadora, uma voz de canção

de ninar, surpreendentemente gentil, e neste momento a dor passa, os gritos

cessam, e sou levada por uma névoa.

PandemônioWhere stories live. Discover now