Capítulo 02 - Preparativos

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     Quando acordei no dia seguinte ainda estava escuro. Aquele era um grande dia, não podíamos nos dar ao luxo de dormir. Minha mãe e eu nos arrumamos como sempre e saimos do quarto. Minha mãe tinha muita coisa para fazer na cozinha, e o meu trabalho era ajudar na limpeza do salão onde aconteceria o baile junto com mais quase cem criados.

   Quando o Sol começou a iluminar o reino com seus primeiros raios, já havíamos escovados todas as 30 cortinas do grande salão de bailes, e terminávamos de lavar as escadas de mármore.

     Aquele baile tinha que ser perfeito, o futuro do reino literalmente dependia disso. Acontece que naquela época, havia mais uma guerra contra Sullenwood batendo em nossa porta, e uma aliança com o Duque de Vuctan de Fellinwood, era a nossa última esperança de manter a paz por mais alguns anos.

    Eu havia crescido naquele palácio. O Palácio de Zuck, em homenagem ao nosso primeiro rei, o filho mais valente de Áurea. Minha mãe trabalhava na cozinha real desde que eu era bem pequena, de modo que o castelo era a minha casa, assim como a de outras crianças que também cresceram ali, como eu. Não eram muitas, na verdade: éramos Jack, seu irmão caçula Allan, Jerry que se alistou no exército e estava fora há quase três anos, e eu.

    Crescemos juntos, correndo pelos jardins e pelos corredores daquele lugar imenso. A Rainha Lori era uma mulher muito boa, e quase nunca saia de casa por causa da sua saúde debilitada. Por não ter muito o que fazer, ela adorava a nossa companhia. Quando não estávamos correndo por aí, estávamos lhe contando alguma história fantasiosa que nós mesmos criávamos, ou ouvindo alguma coisa que ela lia para nós de um dos seus livros velhos que se tornaram seus melhores amigos.

    Ela nos ensinou a ler, escrever, desenhar, costurar. Nos contou a história das Guerra das Pedras e da divisão da Quatro Províncias, e muitas outras coisas. E nós lhe servíamos como companhias, amigos, alunos.

    O seu marido, Rei Jules, por outro lado, era ranzinza e assustador. Não gostava que sua família tivesse tanto contato com os filhos dos criados, e vivia reclamando do barulho ou da bagunça que fazíamos. Certa vez, ele nos proibiu de vê-la. Foi quando Jack descobriu umas passagens secretas que levavam até os aposentados da rainha. A partir daí, passamos a explorar um novo mundo: as passagens estreitas que ligavam todos os cômodos do castelo.

     Quando crescemos, cada um de nós teve que assumir suas responsabilidades para continuar morando no palácio. Afinal, não éramos mais crianças. Jerry decidiu que queria ser soldado para ajudar a proteger o reino quando os rumores de uma possível guerra começaram a ganhar força. Como ele era o mais velho de nós, partiu quando eu tinha quinze anos, e agora, faltava pouco para fazer dezoito.

    Desde a partida de Jerry, as nossas brincadeiras nos jardins já não tinham mais graça, e as passagens já não eram tão interessantes. A rainha estava cada vez pior de sua doença, e temendo que fosse contagiante, pediu para que não fossemos mais vê-la. Aos poucos, Jack, Allan e eu quase não nos víamos mais; eu comecei a passar muito tempo na cozinha ajudando a minha mãe, e eles também foram cuidar dos seus próprios afazeres.

     Faziam três anos que temíamos a guerra com Sullenwood, que era o nosso mais poderoso vizinho. Uma guerra com uma província tão poderosa com certeza seria devastador.

    Eu temia por Jerry. No início, ele me mandava cartas todos os dias. Depois todas as semanas, depois uma vez ao mês, e agora eu mal recebia uma por ano. Não tinha notícias dele já fazia muito tempo, e de todos nós, ele era o que mais corria perigo. Ou era isso que eu achava na época.

    Aquele baile era muito importante. O Duque de Vuctan e seu exército eram aliados muito importantes para o nosso reino. Dar um baile em homenagem a sua filha era o mínimo que poderíamos fazer.

    Assim, eu esfregava um dos muitos degraus da grande escadaria do salão, satisfeita por ter conseguido fazer a minha parte rápida o suficiente para terminar antes do nascer das seis horas. Terminei o que estava fazendo e me dirigi para a cozinha. Minha mãe andava meio abatida naqueles dias e eu queria ajudá-la com seus afazeres para que não se esgotasse muito.

    Tudo estava muito animado e agitado pelo castelo. Os tapetes e as cortinas estavam sendo lavados, o chão foi encerrado, as armaduras decorativas foram polidas. Pude ver pelas janelas recém lavadas que o jardim da frente também estava sendo arrumado.

    Tudo naquele castelo parecia mais vivo e alegre, e eu me forçava a me sentir animada com aquilo tudo, quando vai verdade, um pressentimento misterioso palpitava no meu coração.

    — Mamãe? — Eu disse ao entrar na cozinha. Para minha surpresa, a mesma cozinha tão silenciosa e solitária que eu havia limpado com tanto capricho na noite anterior, estava agitada e barulhenta.

    Havia uma mistura curiosa de cheiros de várias comidas diferentes sendo preparadas ao mesmo tempo, além do barulho de quarenta cozinheiras trabalhando e conversando ao mesmo tempo.

    — Mamãe? — Repeti mais alto ao entrar na cozinha.

    — Sua mãe não está aqui, Maddie. — Uma das cozinheiras me disse agitada enquanto colocava açúcar em uma vasilha com massa. — Ela saiu agora a pouco para comprar leite de borboleta para o bolo de aniversário.

    Estremeci ao ouvir aquela frase. Leite de Borboleta era um raro líquido usado para diversos fins. Não se sabe exatamente do que era feito, mas só era vendido em um lugar em toda a nossa província: o Bosque dos Milagres.

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O Crime dos InocentesOnde histórias criam vida. Descubra agora