Eu precisava sair daquele lugar. O sentimento de que algo daria errado não saia de dentro de mim, e eu começava a me sentir sufocada por aquele vestido apertado e aquele salão lotado. Todas aquelas vozes falando ao mesmo tempo, a mistura do cheiro de vários perfumes e bebidas, o som da orquestra que tocava desde a chegada do Rei, o olhar penetrante daquele homem. Tudo isso começou a me deixar tonta. Eu precisava sair dali.
E foi o que eu fiz. Me virei com a mão na cabeça como se pudesse aliviar a tontura que quase me fazia cair, enquanto concentrava todas as minhas forças nos meus pés, para que eles pudessem se levar embora.
Mas, desajeitada, acabei esperando em uma mulher alta, que se virou com seus olhos azuis e gelados.
— Me perdoe, foi um acidente. — Eu disse por instinto antes mesmo de reconhecer quem era. Isso porque eu era uma simples criada no meio das pessoas mais poderosas das Províncias, e eu com certeza não queria perder a minha cabeça por mexer com a pessoa errada.
— Ora, ora. — Ela disse. Só então eu reconheci quem era. — Se não é a ratinha do castelo.
Aquela era, ninguém menos que Fanny de Pratta, filha do Duque de Pratta e garota por quem Jack se dizia apaixonado.
— Que belo vestido. — Ela disse e me lançou um olhar de cima a baixo. — O Rei Jules investiu no uniforme das empregadas esse ano, não?
Algumas pessoas com quem ela conversava riram e fizeram alguns comentários entre si. Eu não respondi.
— Fanny, querida, não vai nos apresentar sua amiga? — Uma mulher baixa e de cabelos brancos disse.
— Essa garota não é minha amiga, mamãe. — Fanny respondeu sem tirar os olhos de mim. — É só uma criadinha que se perdeu, não é mesmo, querida? Tenho certeza de que ela já estava de saída. Esse não é lugar para alguém como ela, nem mesmo com esse vestido. — Apesar de dizer ela, Fanny não tirava os seus olhos dos meus nem mesmo por um segundo.
— Veja só! — Um outro homem do seu grupinho disse. — Ela está pálida como um fantasma. Acho que sua beleza a assustou, querida Fanny. — Os outros riram.
— Querida Srta. de Pratta, você está simplesmente radiante. — Uma voz conhecida disse. Era Allan. Ele se colocou ao meu lado e passou seu braço pela minha cintura exatamente no momento em que eu teria caído no chão. Com seu apoio, consegui me manter em pé.
Fanny e os demais fizeram uma breve reverência na presença do príncipe.
— Obrigada, querido Allan. — Fanny respondeu. — Eu estava agora mesmo elogiando a nossa querida ratinha. — Ela me lançou um sorriso venenoso. — Esse vestido não fica maravilhoso nela?
— Com certeza, querida Fanny. — Ele respondeu num tom tão falso como o dela ao chamá-la de querida. — Esse vestido foi um presente dado pela doce Charlotte de Vuctan, a aniversariante. Não sei se você já chegou a conhecê-la.
Nunca vou me esquecer a cara de Fanny e seus amigos fizeram ao ouvir aquilo. Charlotte era a estrela da noite, seu pai estava sentado ao lado do Rei, ela era o centro das atenções, todos queria falar com ela, serem vistos em sua presença era motivo de orgulho. Aquela noite era dela, e sua família era mais importante do que a própria Família Real.
E Fanny nem sequer tinha tido a chance de se apresentar a ela.
— Se nos dão licença, — Allan continuou. — Vou levar a nossa ratinha para comprimentar o Duque. Afinal, ela é a convidada de honra da filha dele.
Ninguém mais pronunciou uma palavra sequer. Fizeram uma breve reverência e não pude deixar de notar os olhos flamejantes de Fanny sobre mim.
Allan me levou para fora daquele salão lotado e barulhento, e me colocou sentada nem banco do jardim. A brisa fria da noite me fez muito bom.
— Você está bem? — Ele perguntou se abaixando no chão ao meu lado. — Você parece um defunto, de tão banca que está. — Ele colocou sua mão na minha testa para medir minha temperatura.
— Eu estou bem. — Menti. — Obrigada. — Eu estava terrivelmente tonta. Minha visão estava turva e um apito soava nos meus ouvidos. Tudo isso somado a sensação de que algo ruim estava para acontecer.
Allan segurava as minhas mãos como se tentasse passar suas forças para mim, e me olhava com os olhos cheios de preocupação.
— Você não parece bem. — Quer que eu chame a sua mãe?
— Não! — Gritei. Isso surpreendeu Allan. — Não, por favor. Nós tivemos uma briga mais cedo. Não que vê-la.
— Certo. Não se preocupe.
Ficamos ali por alguns minutos, sem falar nem nos mover. A brisa fria da noite, o silêncio do jardim e as estrelas que sorriam para mim me fizeram extremamente bem, além do fato se Allan estar ali. Sua presença era muito reconfortante.
Assim, depois de alguns minutos, eu estava melhor. Não estava mais tonta, e enxergava e ouvia tudo perfeitamente bem.
— Estou bem. — Disse e tirei as mãos de Allan das minhas. — Acho melhor você entrar. — Me levantei, e ele fez o mesmo. — Vão sentir a sua falta.
— Você não vem?— Acho melhor não. Eu não fui feita para esse tipo de coisa. — Tentei forçar um sorriso.
— E mesmo assim você ninguém deixou de notar a sua presença. — Allan disse com um sorriso bobo.
— Sério? — Eu disse e senti minhas bochechas arderem. Ele riu.
— Por que você acha que Fanny de Pratta fez tanta questão de ser má com você? Todos falavam de você. E eles tem razão, você está linda. Devia voltar ao baile. Eu posso ficar com você, se te fizer sentir melhor.
— Eu não acho que seja uma boa ideia. Eu estou com uma sensação terrível, Allan. Desde hoje cedo. Acho que alguma coisa vai acontecer.
Ele não teve tempo de responder. Já era tarde de mais. Ouvimos gritos de medo e dor saindo do castelo. Vimos sombras negras no telhado do castelo. Algo estava acontecendo. Olhamos um para um outro e corremos na direção da entrada, por onde centenas de pessoas corriam para tentar sair.
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O Crime dos Inocentes
FantasiHá algum tempo em uma terra distante, viveu uma garota que foi perseguida e assassinada, acusada de um crime que ela jurou ser inocente até o seu último suspiro. Acusada de ser uma feiticeira, sua vida, simples e feliz, se tornou um verdadeiro i...