Capítulo 4

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- Desculpas - disse alguém com uma voz desconhecida. - A moça está bem?

- Não se aproxime dela - esbravejou alguém com uma voz conhecida -, saia daqui!!!

- Apenas quero saber se ela está bem... eu posso ajudar - Novamente a voz desconhecida, mas agora distante.

As duas vozes estavam brigando bem na minha cabeça. A desconhecida determinada em ocupar o lugar da conhecida, eu realmente não sabia o motivo da briga razão pela qual decidi não se envolver.

- Ela está bem - disse a voz conhecida.

- Melhor a gente pedir ajuda - disse outra voz desconhecida.

- Melhor mesmo, ela não tá a reagir! -  Uma outra voz desconhecida.

- Moça, por favor... - falou a primeira voz desconhecida.

- Deixa de maninhas moça - disse a segunda voz desconhecida -, deixa ele ver como ela tá.

- E por acaso ele é médico? - perguntou com desdém a voz conhecida.

- Sim, ele é - respondeu a terceira voz desconhecida.

- Mais ou menos! - disse a primeira voz desconhecida. - Sou estudante de enfermagem.

- Tá bom! - permitiu a voz conhecida com desdém. - Seja rápido!!

A briga estava descontralar-se, era suposto brigar apenas duas vozes mas já ouvia mais de duas. Três contra uma era um autêntico jugo desigual, a minha moral não me permitia apenas ouvir aquilo. Eu tinha que fazer alguma coisa para ajudar a voz conhecida. Se na verdade há um lugar, um suposto reino... quem o tinha direito era a conhecida, pois era a única voz que a minha cabeça conseguia reconhecer naquele momento, no momento em que mesmo eu não sabia onde e como eu estava. Apenas ouvia as vozes, sentia as dores e mais nada!

- Aiii... o meu peito!!! - Despertei tonta.

- Calma, vai ficar tudo bem! - disse calmamente a primeira voz desconhecida tocando suavemente o meu ombro.

A minha visão começou a se recompor. Apesar de começar a ver tudo embaçado, os vultos diziam-me que não estava em casa e que estava rodeada de gente.

- Luna, sou eu... a Marta! - disse a voz conhecida. - Consegues me ouvir... me ver?

"Oh Marta, é você... por isso não me era estranho a voz", pensei.

- Sim

- Tenta se levantar - sugeriu a primeira voz desconhecida - com calma... não se preocupes, vou te segurar.

- Não vou conseguir - cochichei.

- Como sabes que não se ainda não tentaste - disse novamente a voz.

- Me segure então - gaguejei tonta.

- Devagar amiga! - aconselhou Marta.

Quando estava logo a ficar de pé, perdi o pouco controlo dos pés que tinha e tropecei, tropecei feio! Mas antes de aterrissar, senti alguém me segurando... subitamente impedindo o meu encontro com o chão.

- Te peguei! - disse a primeira voz desconhecida bem no momento do tropeço.

Entreolhamo-nos... de repente a minha visão embaçada ficou tão claramente nítida que me deu a hipnótica possibilidade em ver, ele me segurando fortemente. Um anjo!, só poderia ser!, um anjo de olhos escuros, pele morena e cabelo escuro. Rapidamente recuperei a força, não apenas dos meus pés, mas de todo o meu corpo que inibiu toda a dor, tudo que eu sentia em segundos.

- Solte-a! - ordenou Marta me puxando de perto dele. - Seu...

- Ei moça! Vê lá o que vais dizer - interromperam-lhe rapidamente por dois moços.

"Aah... aquelas vozes eram vossas", pensei.

- Tudo bem Caras! - disse ele.

- Vamos sair logo daqui! - falou Marta. - Aqui não é um lugar seguro.

Eu estava fora de mim, não conseguia parar de olhar nos olhos dele. Ainda sentia o braço dele embora a Marta tivesse nos separados; a força, o cheiro de um homem, nunca sentira bem perto antes.

- Desculpas - disse ele -, mesmo!

Sem respostas...

Olhei no lugar atingido, no meu peito e quase tropecei de novo.

- Minha blusa!!! - esbravejei. - Não, eu não posso ir assim em casa!!

- Vocês sabem quanto custou esta blusa? - perguntou Marta olhando pras pessoas.

- Ela tá boa - comentou um dos moços -, apenas tem uma pequenina mancha.

- Ya, muito boa - confirmou o outro.

- Nada a ver! A vossa maldita bola estragou a blusa e quase matou a minha amiga! - esbravejou Marta, seus olhos fumegavam de tanta ira.

Uma bola de futebol tinha me deixado inconsciente e suja durante alguns minutos, apenas a audição tinha sobrevivido ao ataque.

- Meu Deus! Que horror!!! - novamente esbravejei olhando pra blusa com desdém. Eu nunca ficara tão suja durante a vida, excepto na aula de educação física onde tínhamos que correr e pular de um lado pro outro sem sentido, mas mesmo quando terminava a aula, eu ficava muito mais limpa comparativamente àquele momento.

- Ei moça, a culpa não é nossa - comentou um dos jovens -, não vos mandamos passar ao lado do campo.

- E de quem é a culpa, eh? - exclamou Marta. - Nossa é que não é.

- Calma! - imediatamente disse ele. - Vamos resolver isso da melhor forma possível. Olha! eu tenho uma t-shirt limpa na minha mochila, ela... ela pode usar.

- Não! de forma alguma! - gritou Marta tão alto que chegou a incomodar os meus ouvidos.

Ele correu até uma baliza branca enferrujada, tirou apressadamente uma mochila preta entre as duas que estavam namoricando com o chão vermelho e, com a mesma velocidade, veio até mim falando:

- Tá aqui! - Tirando da mochila a tal t-shirt.

- Essa?... NÃO!!! - disse Marta, inconformada.

- Se o problema é a sujeira, então esta t-shirt resolve o problema. Está limpa - Ele estendeu a t-shirt até minha direcção.

- A Moça pode usar e tirar quando chegar em casa. - continuou ele.

- Não vais receber, vais? - questionou Marta olhando pra mim.

Eu não sabia o que fazer. Não queria receber, mas também não queria percorrer os tantos metros restantes suja até minha casa. Então recebi e coloquei-a por cima da blusa, rapidamente encolhi, parecia uma criança naquela t-shirt, lembrando-me a minha infância quando usei pela primeira vez uma das belas roupas da sra. Laurinda.
Marta não disse nada, apenas ficou me olhando indignada. Minutos antes estava usando uma blusa branca da Beatriz franck, agora a blusa cara tinha sido engolida por uma t-shirt larga, preta e obviamente barata pela simplicidade do tecido.

- Até que não ficou assim tão mal!  - observou ele.

- Ya - confirmei.

- Vamos embora! - resmungou Marta, puxando-me com força até a saída.

- Devolva a t-shirt amanhã... - gritou ele - aqui... nas horas iguais.

Não sei Marta, mas eu o ouvi perfeitamente. Olhei de soslaio com um pequeno sorriso no rosto  e, imediatamente, evaporamos do lugar.

Não foi sua culpa Onde histórias criam vida. Descubra agora