Quase trinta
27 de Agosto de 2020Márcia se sentiu a deriva assim que as outras duas garotas foram para Portugal. Além do fato de passar o tempo todo naquele apartamento grande sem uma alma para conversar ou lhe dar algum tipo de distração. Ainda que tivesse muito intretida em voltar viva do trabalho naquele escritório caótico gostava bastante da forma em que Isabella conseguia deixar aquele ambiente mais divertido e alegre. Bom, sobre a outra não tinha muito o que falar.
Para se livrar de todo esse tédio ela tentou de tudo, de ler todos os livros estranhos da outra cacheada até mesmo tentar se aventurar em comidas típicas da sua atual cidade, o que acabou com farinha de pizza esparramada pelo chão e no teto, além de uma mancha enorme de óleo na parede recém pintada. Contudo, quando já estava cansada de ficar ali, tentando encontrar alguma forma de viver aqueles meses sozinha, a sua súbita coragem falou mais alto e resolveu então desbravar as noites e tardes de final de semana paulistanas. O que podia se resumir em ir em um daqueles barzinho próximos de casa, em casas noturnas ou passiar pelo parque. A vida de um jovem adulto que tinha medo de tudo era um pouco morna, sem grandes aventuras.
Sempre se considerou como a secundária da sua própria história, para ela, nunca teve muitas características marcantes, além de uma certo entusiasmo para fazer novos projetos. Era do tipo mediana, que não de destacava, nem era invisível. Aquela amiga da protagonista de um romance de colegial, inteligente e carismática na medida certa para não ofuscar a mocinha. O pior de tudo era que estava tão acostumada em viver nessa, seguindo a correnteza e pegando apenas nas rochas mais seguras, que nunca em nenhum momento conseguia pensar exclusivamente em seu crescimento. Muito pelo contrário, com todas as suas amizades tentava se doar mais do que o prudente, passando por cima de tudo que estava sentindo ou querendo, apenas para agradar a amiga da vez. Era óbvio que isso tinha se repetido com as outras amizades, apenas com Maria algo tinha sido diferente. Queria sempre pular até achar alguém que pudesse se encaixar nos seus momentos da vida. Afinal, mesmo tendo uma certa comodidade, ainda era meio instável se tratando em sua forma de viver, quando estava na sua cidade Natal a companhia de Maria era o suficiente para tampar os buracos da sua carência, ambas tinham a mesma idade, vidas pesadas e um sonho de algo diferente. Entretanto, quando chegou a São Paulo era como se tudo isso tivesse caído por terra, e o que conseguia enchegar era apenas como tinha barreiras na vivência da outra cacheada, não podia, mesmo se quisesse, seguir em uma amizade que não estava caminhando lado a lado. Era doloroso ter que admitir isso, mas deixar para trás foi o melhor que podia fazer. Nos primeiros dias tinha se prendido tanto que nem parecia que estava em um lugar totalmente diferente do seu, começando uma vida mais cheia de desafios. Foi a primeira vez que foi egoísta e passou por cima do que seu coração estava vivendo, não podia se arrepender por isso, já era tarde demais.
Com Isabella as coisas estavam começando a sair dos trilhos também. Ela era o tipo de amiga que estava sempre ali por você, ainda assim, era tão inconseqüente que poderia deixar marcas em seu peito assim que tentasse pular para fora dos seus problemas. Era apenas questão de pensar se deveria ou não aceitar ser machucada vez ou outra. Bom, até aquele momento a resposta era sim. Em síntese, um lado seu odiava admitir essa certa dependência de suas amizades. Como se tivesse acabado de sair de uma caverna, ficava totalmente sem rumo, andando pelas sobras, sem se atentar no que realmente estava acontecendo. Tinha sido assim com Maria e estava se construindo de maneira ainda pior com a artista. Aquele era o momento de realmente caminhar com suas próprias pernas. A sua mente já estava calculando tudo que poderia acontecer sem a presença da outra, em nenhuma delas algo bom acontecia. Como tinha se deixado chegar naquele ponto? Não conseguia encontrar resposta, o silêncio do apartamento vazio e sua solidão falavam mais alto do que qualquer outro sentimento que poderia ter.
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Juntando os pedaços | √
Chick-LitMaria foi obrigada a crescer depressa demais, com uma mãe alcoólatra e um pai agressivo. Fugiu para uma outra cidade em busca de paz. No entanto, o seu novo marido era a conjunção de ambos os problemas que ela queria deixar para trás. Depois de perd...