A esperada festa de beneficência desenrolou-se com muito brilho. A anfitriã já de uma certa idade, uma senhora anafada e muito divertida, abraçou Luísa descontraidamente ao ser-lhe apresentada.

Durante o evento, João mostrou-se muito satisfeito de ter convidado a cantora, orgulhoso, até, da sua linda voz, a qual cativou uma boa percentagem de convidados presentes. Luísa teve de voltar ao palco para interpretar uma das duas outras canções não previstas, que ela por sorte conhecia do reportório do pianista, para aplacar os aplausos.

Todavia, o que estava a surpreender Romilheiro em relação a ela, era a sua facilidade em sociabilizar, conversando com todo o tipo de pessoas, espalhando simpatia sincera de uma forma discreta e elegante. É certo que suscitou algumas invejas, mormente de outras mulheres cujo objetivo era o protagonismo. Uma delas mostrou-se até, assaz, despeitada, dirigindo-se à cantora com algum sarcasmo, o que deixou João constrangido por causa de Luísa, que não merecia tal postura.

Logo que pôde, Romilheiro desculpou-se junto da nova amiga, explicando que a referida mulher era uma antiga namorada dele, uma pessoa muito complicada, com a qual ele procurava manter uma grande distância.

Na verdade, o perfil psicológico do agente musical não lhe permitia ser muito claro no encerramento de todas as suas relações, deixando sempre para trás situações ambíguas, que as companheiras a seguir teriam de enfrentar. Ele sabia-o, pois já constatara que este padrão se repetia constantemente, prejudicando a harmonia da relação futura. Todavia, a sua índole pacifista impedia-o de realizar cortes drásticos e definitivos. O seu lado inseguro, impelia-o a permanecer num trato muito intimista e exageradamente carinhoso, caindo até no flirt, com todas as mulheres da sua vida, mantendo na memória com alguma saudade os bons momentos passados.

Luísa, em paz consigo mesma e encantada por sentir que estava a apoiar a presença profissional do seu companheiro na festa, aceitando de bom grado o modo gentil e cortês dele, deu largas ao seu contentamento e não permitiu que esta questão lhe estragasse a noite. Há muito tempo que não se sentia tão feliz e não tinha expectativas nenhumas quanto ao futuro no entendimento que estava a ter naquele instante com o novo amigo, embora reconhecesse a admiração crescente que percebia em relação ao mesmo.

De regresso a casa, João confessou:

Luísa, gostaria muito de voltar a vê-la. Podemos combinar uma saída?

Gostaria muito também, João. Que propõe?

Gosta de exposições de arte?

Sim. Muito!

Na sexta feira poderíamos jantar e depois ir a uma exposição de um amigo meu.

Perfeito.

Ambos sentiam necessidade de incrementar a amizade, mas mantinham-se sem grandes anseios quanto a alguma possibilidade de namoro. Cada um, à sua maneira, estava distante de qualquer paixão: um por saturação de inúmeros casos infrutíferos e outro, por ter vivido um relacionamento verdadeiro, jamais esquecido, há muito tempo.

Na semana seguinte, encontrando-se com Beatriz, Luísa indagou:

O que disse o médico sobre os exames?

Não chegou a conclusão nenhuma. Tenho uma pequena infeção nas vias urinárias, mas mais nada. Prescreveu-me antibiótico. Vamos ver se melhoro. Neste momento, sinto-me pior... respondeu a interpelada não escondendo o desânimo. – E tu, minha amiga? Como vão as coisas com o Romilheiro?

Muito fluídas e em paz. Nenhum de nós tem grandes previsões de relacionamento e isso dá-nos a ambos muito espaço e liberdade. Apenas sentimos que gostamos da companhia um do outro.

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