"A música é o vínculo que une a vida do espírito à vida dos sentidos." Ludwig van Beethoven
"Deixa a tristeza ir,
Só tens de anuir.
Permanece leve,
Numa ação breve.
Solta até ao zero,
Sem desespero.
Aceita o momento,
Sem discernimento.
Abre-te ao desconhecido,
Mesmo sem sentido.
És o Tudo e o Nada,
Visão afortunada."
A canção inundava o ambiente, ecoando no grande salão do período Rococó.
Os três músicos, vestidos de negro, acompanhavam, sincronicamente, a cantora de voz cálida e grave mantendo-se numa harmonia unificada de sons discretos, para que a solista, trajando um vestido comprido de veludo vermelho escuro, se fizesse ouvir na perfeição.
Quando a voz silenciou, os acordes do piano despertaram da sonoridade abafada e encontraram o seu eco no trompete, lembrando um jogo de pergunta-resposta, sobre um fundo ritmado com o som profundo e sincopado do baixo.
Em seguida, a voz voltou a repetir a letra, porém a melodia subiu de tom, tal como a projeção da voz da executante, que atingiu o apogeu acústico, conquistando imperativamente ouvidos e corações.
Fez-se uma pausa silenciosa, após a vocalista ter dado a última nota aguda expandida da melodia, colmatando o trecho musical.
Esta canção estava fora do reportório previsto para aquela sessão, haviam-na tocado como presente a um público assaz caloroso, quando voltaram pela segunda vez ao palco a pedido da assistência.
Em poucos segundos e de novo, naquela noite, elevou-se um burburinho de cadeiras arrastadas, o estalar de um mar de palmas, acompanhado de assobios e gritos:
− Bravo!... Espetacular!... Muito Bom!...
Os músicos ainda regressaram mais duas vezes para junto dos aplausos, agradecendo e, por fim, deram o concerto por terminado.
Numa das filas de trás, um homem ainda jovem, alto e magro, levantou-se discreto e saiu sem que ninguém notasse.
∞
Desde miúdo, Daniel absorvia prioritariamente o mundo natural através dos sons. Os restantes sentidos funcionavam perfeitamente, contudo a sua audição era apuradíssima.
Com cinco anos era já frequente um dos irmãos encontrá-lo na casinha suspensa na árvore ao fundo do quintal, embebido nos trinados dos pássaros e a escutar o impulso da brisa abanando as folhas dos grandes ramos que abraçavam o refúgio.
Ainda criança de colo ficava, não muito raro, absolutamente quieto, como que pendurado no tempo, ouvindo atentamente o que ninguém parecia ouvir e, quando havia pessoas à sua volta fazendo ruído, apontava o dedito para o ar, abria os olhos concentrado, avisando num "Oh!" redondinho para que se calassem e o deixassem captar as ondas sonoras provenientes de uma fonte desconhecida, inaudível para as outras pessoas.
Quando começou a andar, por volta dos dois anos, escapou-se, por duas vezes, para a margem de um pequeno riacho que limitava a propriedade, apenas para se deliciar com o som cristalino das águas... acompanhado pelo cantar quase etéreo dos pássaros e pela sonoridade sussurrante das folhas ao vento.
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DEIXA A TRISTEZA IR
Roman d'amourQuatro profissionais ligados à música cruzam seus caminhos, descobrindo o amor e a amizade. Deparam-se com momentos mágicos, outros melancólicos e alguns de carácter insólito. Uma história que incentiva a imaginação, quer através da forma como as cr...