Dinastia Smith

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Agosto de 1920.

Islington,Londres.

Enquanto a melodia tomava conta de cada canto do grande galpão, os dedos gélidos de Annelisie batucavam a grade à sua frente. Os olhos apesar de estarem atrás do óculos, de armação escura e fina, continuavam desfocados acompanhando os pensamentos confusos da dona.

Mesmo que estivesse acerca do barulho que as imensas máquinas e suas trabalhadoras fizessem, continuava em seu mundo nebuloso cheio de problemas. Como ela poderia estar disponível a viver em paz depois de receber a notícia que Jackson teria conquistado mais um aliado? Como ela poderia pensar em sorrir sabendo que este aliado traria mais poder para aquele ser asqueroso?

O tempo previsto para tomar as devidas providências estava se encurtando, queria ver o mais rápido possível a queda, digna de espetáculo, de Jackson William.

—Annelisie, seu noivo requisitou sua presença no Le Classique ao entardecer. -Elisabeth, sua secretária, assopra os seus pensamentos para longe ao se aproximar.

—Tudo bem, muito obrigado. -Agradece e vai de encontro a sua sala privada.

Afunda seu corpo na cadeira confortável e encara a enorme papelada em sua frente, pronta para trabalhar ela começa a digitar em sua máquina. Era apenas contabilidade que deveria estar invadindo seus pensamentos porém sabia que sem uma dose ,do seu melhor uísque irlandês e a tempestade não iria embora tão cedo.

Um gole.

Dois goles.

Três goles.

O quarto gole foi profundo e satisfatório, deixando sua garganta agradecida por essa escapatória longe dos chás constantes pela tarde. Com um sorriso, mais falso que a confiança em Jackson, retornou a sua atenção à papelada.

O Le Classique, de origem francesa, era um dos bares mais requisitados do burgo de Islington

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O Le Classique, de origem francesa, era um dos bares mais requisitados do burgo de Islington. Com a sua enorme fachada, os vitrais ocupando as paredes externas e um belo lustre de cristais na entrada, apesar dos preços altos de gastronomia francesa, o local era incrivelmente mediano para a Smith.

—Estou acompanhada de Henry Turner.

—Irei acompanhar a senhorita Smith. Por favor continue o trabalho, Trevor. -Annelisie desvia seu olhar para o Anthony, o gerente conhecido pela jovem, quando se aproxima.

—Senhor Laurent, que prazer vê-lo novamente. -Annelisie se permite sorrir fraco para o homem à sua frente.

—Prazer o meu em receber a senhorita no Le Classique, saiba que sempre estaremos de portas aberta.

Mesmo que Anthony prezasse pelo anonimato, ainda mais presente em seu restaurante, os olhares que era direcionados a Annelisie transbordavam luxúria. A jovem só poderia rir do gerente a sua frente e simular inusitadas cenas, em sua imaginação, na qual todas acabavam em tragédia para ele. Odiava que fosse cortejada mesmo após uma recusa clara dada, assim como aconteceu a alguns anos atrás no restaurante por ela.

Enquanto ouvia, sem dar a devida atenção, os discursos dados pelo gerente sobre o Le Classique e suas magníficas conquistas, seu coração ousou parar de bater quando encontrou o dono do seus pesadelos sentado a frente de Henry, seu futuro marido.

Jackson, ou melhor o próprio diabo, por mais que tentasse parecer mais novo com as suas roupas refinadas e um pouco de pó roubado de sua esposa, não conseguia disfarçar as rugas e linhas de expressão do seu rosto. As fisionomias de rancor e desprezo, características primitivas dele, junto ao seu processo de envelhecimento só ressaltam a figura diabólica e cruel que ele era.

—Lisie, fico feliz que tenha conseguido vir!- Henry, seu amável noivo, levantou-se para cumprimentar a jovem com um leve tocar de lábios. A garota só pode sorrir e sentar-se ao seu lado.

—Annelisie, convidei Jackson pois ele precisava ouvir as novidades o mais rápido possível, não acha?-Henry sorriu de orelha a orelha enquanto bebericava o uísque.

—Novidades? Estou ansioso para saber o que a senhorita aprontou dessa vez, filha. -Com o pouco de paciência que ainda restava, Annelisie buscou pelo primeiro copo de uísque e virou em um gole. Jackson a provocava com suas palavras dado que sabia do peso que elas tinham na cabeça da jovem.

Jackson William apreciava a ideia de chamar Annelisie de filha, sendo que não era sua primogênita, sabendo que assim conseguiria impor um discurso autoritário a terceiros que ouvissem a conversa. Um discurso falso.

Jackson não era seu pai, Jackson não tinha o direito de chamá-la de filha e Jackson, com certeza absoluta, não tinha nenhuma autoridade acerca de Annelisie.

—Não são novidades sendo que era transparente, como cristal, que logo me casaria com o homem dos meus sonhos. Belos quatro anos compartilhados juntos, nada melhor que um casamento para fortalecer. -A mulher sorriu com sarcasmo para seu padrasto.

Era evidente que Jackson não aprovava que o renomado ministro, Henry Turner, se casasse com a Smith. Tudo por ganância pelo poder que Annelisie conquistaria com esse matrimônio, poder esse que seria bem usado por ela para derrubar, enterrar se preciso, os negócios do padrasto.

—Um matrimônio?-A voz de Jackson cedeu por míseros segundos e o sorriso cínico logo apareceu.

—Sim, uma união entre a família Smith e Turner. Deveríamos comemorar, não acha?-Annelisie sorria para o inimigo enquanto pedia pelo melhor champanhe que o lugar pudesse ofertar.

—Fico eufórico por vocês. Acredito que sua mãe esteja muito satisfeita com essa notícia também, certo Annelisie?

—Sim, muito satisfeita e saudável.

O champanhe logo foi aberto e todo o licor percorreu as laterais da garrafa,sendo transmitida para a taça de cada convidado na mesa.

—Um brinde à nós, querida!- Henry levantou a taça até o centro da mesa.

—Um brinde ao nosso futuro legado. -Annelisie desafiou Jackson mais uma vez antes de desviar o olhar para seu noivo e sorrir.

O jantar seguiu cheio de risadas sarcásticas e alfinetadas, uma culinária esplêndida aos olhos de Henry e o velho bom uísque irlandês, substituindo a bebida anterior, para acalmar os nervos de Annelisie e a fúria de Jackson.

O jantar seguiu cheio de risadas sarcásticas e alfinetadas, uma culinária esplêndida aos olhos de Henry e o velho bom uísque irlandês, substituindo a bebida anterior, para acalmar os nervos de Annelisie e a fúria de Jackson

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O sono não conseguiu predominar a noite de Anne, mesmo com o calor de Henry ao seu lado e os delicados lençóis de seda. O frio era muito maior, a tempestade em sua cabeça era grandiosamente maior e as lágrimas não permitiam os olhos de se fecharem.

Odiava estar nesse estado deplorável por algo tão simples, fazia se sentir fraca e inútil, e ela implorava que essa fraqueza fosse temporária, não se permitindo perder mais um dia de trabalho por algo banal.

Portanto com o desprezo, a tristeza e a coragem súbita resolveu colocar a dinastia de William em combustão, e nada melhor que uma ajuda extra de Birmingham.

Liberté || Thomas ShelbyOnde histórias criam vida. Descubra agora