Estávamos na sala da pedagoga esperando a nossa vez. Leonardo havia me enchido o saco o dia inteiro pra eu ir com ele perguntar sobre o intercâmbio. Eu estava estressada e magoada, ele estava cogitando fugir pro outro lado do mundo e não pensou em mim em nenhum momento.
- Então, como posso ajudá-los? A pedagoga perguntou.
- É que eu queria fazer intercâmbio e gostaria de saber algumas informações. Eu gaguejei.
- Bom, pra isso eu preciso que os pais de vocês venham até aqui pra conversar com a gente e aí nós explicamos direitinho como funciona tudo, tudo bem?
- Tá bom, obrigada. Eu disse, já levantando o Léo
- Mas, moça, só pra gente não ter vindo aqui atoa, você pode falar um pouco do que a gente precisa? Ele perguntou, fazendo menção de se sentar de novo.
Eu sentei também, impaciente.
- Você também quer fazer intercâmbio? Ela perguntou, um pouco cética.
- Talvez.
- Bom, então eu vou buscar uns folhetos e assim vocês vão pesquisando direitinho e seus pais já podem vir informados. Só um minuto.
Ela levantou e entrou em uma sala. Léo apertou minha mão num sinal de aprovação. Ele estava animado. Rolei os olhos aproveitando ele não conseguiria ver.
A moça voltou com os panfletos, me entregando.
- Obrigada. A gente volta com os nossos pais.
- Só uma última dúvida.- Léo falou, eu estava me levantando, sentei de novo.- Você acha que teria problema eu fazer intercâmbio sendo cego?
- Olha, eu vou ser bem sincera. Nunca tive alguém cego fazendo intercâmbio. Mas acho que é do uma questão de encontrarmos uma família preparada pra te receber. A gente faz assim: você me dá o seu telefone que eu dou uma pesquisada e te ligo se encontrar alguma coisa.
Léo ditou seu celular pra moça e finalmente fomos embora. Eu ainda estava irritada por ele ter me arrastado pra lá, mas quando a gente saiu e percebi que ele estava feliz, a irritação sumiu na hora.
***
Era sexta, então chamei os meninos pra minha casa depois da escola. Estávamos todos deitados na beira da piscina tomando sol. O celular do Gabriel tocou e ele atendeu. A ligação no durou nem 5 minutos e ele já estava despedindo com um beijo.
- Quem é? Sua namorada? Eu perguntei em tom de brincadeira mas na verdade estava morrendo de curiosidade pra saber se ele tinha namorada.
- É meu pai. Ele respondeu sem graça.
- Seus pais são super preocupados como os do Léo?
Ele me deu uma cotovelada.
- Na verdade é só meu pai. A minha mãe morreu quando eu era criança.
- E são só vocês dois?
- Não, eu tenho um irmão mais velho também.
- Ele mora com vocês? O Léo perguntou.
- Não, ele ficou na cidade em que eu morava.
- E vocês se dão bem?
- Hm, mais ou menos.
- Por que mais ou menos?
- Ah, a gente é bem diferente, sabe? Ele é engenheiro, só pensa em números. Eu gosto de ler e ele odeia. Pelo menos pra música a gente é igual.
Eu estava um pouco fora da conversa, decidi intervir.
- Sabia que o Léo só ouve música clássica?
- Sempre tive vontade de aprender música clássica, mas nunca tive muita paciência.
- Como não? É o melhor tipo de música que existe.
- Não exagera vai, Leonardo. Respondemos juntos.
- Mas e verdade. Ele estava na defensiva.
- Por que você gosta tanto? Gabriel perguntou.
- Por causa da minha vó. Ela sempre diz: pra entender qualquer coisa, primeiro tem que começar pelo clássico.
- Mas o problema do Léo é que ele começou pelo clássico e empacou nele, né. Eu brinquei.
- Besta.
- Você podia me dar umas aulas depois então, Léo.
- Tá bom.
Estava excluída de novo.
- Era só o que me faltava: Beethoven e Mozart juntos.
Todos nós rimos. Gabriel se levantou.
- Pessoal tá ficando meio tarde e eu preciso ir embora.
- Já?
- Na verdade, Gi, é melhor eu ir também.
- Tudo bem, me espera trocar de roupa e eu te levo.
- Se vocês quiserem eu posso levar o Léo, aí você não precisa ir e voltar, Gi.
- Não, imagina. É aqui pertinho.
- Gi, minha casa é caminho pra casa do Gabriel. Assim facilita
- Sim, bem mais fácil.
- Tudo bem então. Vocês que sabem.
- Então vamos.
Observei enquanto Gabriel estendia o braço pro Léo e os dois saíam em direção ao portão. Percebi que, apesar de não querer admitir, eu estava com ciúmes.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Hoje eu quero voltar sozinho
Novela JuvenilBaseada em um filme de Daniel Ribeiro, essa história é a transcrição do filme em formato de livro. O filme (o qual você deveria ver agora) trata sobre um garoto cego que se descobre homossexual. A história é contada pelos 3 personagens principais:...