Capítulo 9: Léo.

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Entrei em casa tentando ao máximo não fazer barulho, tateei em volta do meu quarto procurando o moletom que Gabriel tinha mencionado; quando o encontrei, reconheci o tecido macio que eu segurava  em seu braço enquanto ele me guiava pra casa depois da escola. Levei o moletom até o rosto: o cheiro dele estava lá, o mesmo cheiro que me atingia quando uma brisa vinha detrás da sala e puxava seu perfume na minha direção, ou na garupa da sua bicicleta essa noite, onde tive a desculpa de agarrar seus ombros com força. Um desejo me invadiu, deitei na minha cama sentindo uma sensação nova por todo meu corpo. Tirei a roupa e dormi com seu moletom, queria deixar um pouco do meu próprio cheiro nele.

E foi assim que adormeci naquela noite: pensando nele.
                                ***
- Há quanto tempo você e o vô estão juntos?
Era quarta-feira e eu estava tomando café na casa da minha vó como de costume. Eu e minha vó conversávamos sobre praticamente tudo mas nunca falávamos sobre relacionamentos. Talvez porque eu não estava interessado em relacionamentos no geral, bom, até agora.
- Ah faz tempo, viu? Deixa eu ver... Nossa, 42 anos.
- Nossa, quanto tempo! Vocês ainda se amam?
- Alguns dias mais do que outros.
- Como vocês se conheceram?
- Foi antes da gente vir morar em São Paulo. Ele era motorista do ônibus que eu pegava pra ir pro trabalho. Na verdade eu até podia pegar o ônibus mais tarde, mas eu sempre acabava chegando mais cedo no trabalho só pra ir com ele.
Nós rimos, por que nunca tinha perguntado sobre isso antes?
- Até que um dia eu me atrasei. - Ela continuou. - Fiquei desesperada. Fui correndo pro ponto pra ver se o encontrava e pra minha surpresa ele ainda estava lá: se recusando a sair enquanto eu não chegasse. E o povo todo gritando com ele, uma bagunça! E quando eu cheguei eles não ficaram nada felizes comigo.
Ela riu e ficou em silêncio de repente. Deveria estar viajando nas memórias de 42 anos atrás, imaginei. A campainha tocou.
- Que cedo pra sua mãe vir te pegar.
- Ah, não. É o Gabriel. - Disse ja fazendo menção de me levantar. - A gente vai fazer um trabalho e combinei com ele de encontrar aqui.
Me despedi da minha vó com mais pressa do que o normal e saí correndo porta fora, quase levando a mesa de canto comigo. Minha vó riu de longe da minha pressa e senti, quase inconscientemente, que ela sabia que algo estava diferente.

                                ***
Eu e Giovanna estávamos conversando no intervalo quando meu telefone tocou. O toque significava que o número era desconhecido. Atendi e era Sandra, a moça com quem eu e Gi tínhamos conversado semana passada sobre o intercâmbio. Eles queriam falar com meus pais e eu disse que eles estavam viajando e que retornava a ligação quando voltassem e desliguei.
- Seus pais estão viajando? Gi perguntou.
- Não, é que era a moça da agência de intercâmbio. Ela falou que achou uma agência americana especializada em quem é cego.
- E por que você mentiu?
- Sei lá. Respondi na defensiva.
Ela fez um som de sarcasmo.
- Sua mãe nunca vai deixar.
- Porra, valeu pelo apoio, Gi.
Ouvi passos e em seguida a voz fina da Karina do meu lado:
- Oi, tudo bem? Vocês viram o Gabriel por aí?
- Ele foi no banheiro. Por que?
- Nada não, queria falar com ele uma coisa.
Ouvi ela subir a mureta e se sentando do meu lado. Nem eu nem Giovanna falamos mais.
- Bonitinho ele né, Gi? E os cachinhos? Que fofo né?
Conhecia a Giovanna bem o suficiente pra saber que esse comentário tinha aborrecido ela. Ela não respondeu de novo.
- Da onde que ele é mesmo?
- Acho que ele é de...
- Ah ele tá ali, beijo.
Pulou a mureta e ouvi seus passos correndo em direção ao banheiro.
- Aff é uma piriguete mesmo, né?
Gi não tava de toda errada. Karina até que era uma menina legal, mas nos conhecíamos a anos pra que eu soubesse que com ela sempre tem segundas intenções.
- Olha lá, já deu o bote. Tá lá toda simpática falando com ele e enrolando o cabelo.
A narração dos detalhes estava me deixando irritado e ansioso ao mesmo tempo.
- Ela encostou no ombro dele. E agora pegou na mão! Ela nem sabe se ele lavou essa mão aí. Pior que ela nem disfarça, né?
Mas eu não estava mais ouvindo as reclamações de Giovanna. Uma palavra veio na cabeça de repente. Ciúmes, era exatamente o que eu estava sentindo. Fiquei inquieto o resto do dia todo tentando processar o que aconteceu no intervalo. Já tinha sentido ciúmes em outras ocasiões, com a Gi por exemplo. Mas eu e Gabriel éramos amigos muito recentes, isso ainda não explicava nada.
Deixamos Gi em casa e nós dois continuamos subindo a rua.
- Léo, acho que você não precisa mais da bengala, né?
Estava tão distraído que nem tinha reparado.
- Tá bom. Disse enquanto guardava a bengala na mochila.
Senti um impulso de tocar no assunto então fingi que estava jogando conversa fora.
- Você viu a pergunta da Karina hoje na aula de química? Coitada, tão burrinha.
- Tadinha.
Não foi o tom sarcástico que eu estava esperando, ele estava me repreendendo. Fiquei ansioso de novo.
- Tadinha mas chatinha né? Você acha ela legal?
- Eu acho ela simpática. Ela até me chamou pra festa dela.
- Festa? Que festa?
- A festa que ela vai dar. Uma super festa, ela vai se mudar, a casa vai ficar vazia e ela vai chamar a sala toda.
- Nossa, que divertido em.
Nem consegui disfarçar o tom de sínico da minha voz, então agora eles estavam indo pra festas juntos?
- Cuidado com o degrau. Eu vou ser até o DJ!
- Por que?
- Eu gosto da Karina, Léo. Por que você não gosta dela?
- Não é que eu não gosto dela, é que o último lugar que eu quero ir é numa festa cheia de gente da nossa sala.
Porque odeio todos eles, pensei em acrescentar, mas acho que já estava soando amargurado o bastante.
- Mas pensa, pode ser divertido, sabe? As pessoas podem ser diferentes fora da escola.
- Ah, duvido.
- E você não é?

Entramos no meu quarto e eu sentei na cadeira de canto de costume pra deixar a cadeira da escrivaninha livre pra ele. Ouvi um celular tocando.
- Oi Gi, to sim. Tá bom peraí
Ele colocou um celular na minha mão.
- É a Giovanna, ela quer falar com você.
Mau sinal, ela estava com sua voz irritada, a ligação não nem durou dois minutos até ela desligar na minha cara.
- O que aconteceu?
Gabriel perguntou, preocupado.
- Giovanna ficou puta porque a gente não esperou ela na saída.
- Mas ela não ia fazer o trabalho da biblioteca?
- Aparentemente não, né?

Hoje eu quero voltar sozinho Onde histórias criam vida. Descubra agora