Capítulo 1: Léo

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Era fim de janeiro, última semana das férias de verão e eu e a Gi estávamos deitados na beira da piscina de sua casa. Estava um dia quente, pude sentir o sol nas minhas costas e a sensação da água da piscina se movendo embaixo das minhas mãos. Era um daqueles dias em que eu queria que tudo parasse.
- Qual é o seu nível de preguiça agora?
- Seis. - Ela respondeu. - E o seu?
- Oito... não, oito e meio.
- Tudo isso?
- Ah, esse sol, essas férias, essa piscina... dá muita preguiça de pensar que isso tudo vai acabar.
- Pois eu estou com preguiça é de ficar sem fazer nada.
Ela disse, virando o rosto. Giovanna não gostava de ficar parada muito tempo.
- Eu estou bem feliz não fazendo nada.
Defendi
- Mas a gente nunca faz nada nas férias, nada acontece.
Eu não entendia como alguém podia estar minimamente incomodando com o fato de não fazer nada no verão, de não ir à escola todos os dias e não precisar suportar mais um torturante ano do Ensino Médio.
Mas aí lembrei que provavelmente não era tão torturante para os outros quanto era pra mim.
- O que você quer que aconteça Gi?
- Ai, não sei. Um grande drama, um grande amor, esse tipo de coisa. Mas nas nossas férias não acontecem.
Eu ri. Além de ansiosa, Giovanna era muito sonhadora.
- E com quem você imagina seu grande amor? - Debochei. - Não é você que diz que na nossa escola só tem sapo?
- Ah, não precisa ser um príncipe também né? Eu ri de novo.
- E você? - Ela continuou. - Não se preocupa com isso?
- Com o que?
- Ué, vai passar a vida inteira sem beijar ninguém, Léo?
Não era um assunto o qual eu gostava de discutir, mas Giovanna o trazia a tona frequentemente. Ela devia ser uma garota atraente, pois já tinha beijado alguns meninos da nossa escola. O fato de eu nunca ter beijado ninguém a incomodava. Fiz um barulho de impaciência pra mostrar que não queria entrar na conversa.
- Mas é verdade. - Ela insistiu. - Não é dormindo e ouvindo beethoven as férias inteiras que você vai resolver isso né?
Não respondi.
- Sério, você deveria beijar qualquer uma só pra tirar isso da frente.
Aquilo me irritou.
- Se a questão é beijar qualquer uma, por que eu não beijo você, então?
Foi a vez dela de não responder.
- Não é assim que eu quero meu primeiro beijo.
- Ai, Léo, assim você nunca vai beijar ninguém.
Ela não entendia. Não pelo fato de ser uma garota, mas pelo fato de ser completamente normal.
- Quem é que vai querer me beijar?
Perguntei, sem precisar muito de uma resposta.
- Aposto que a bruxa da Karina te beijaria.
Ela respondeu em tom de sátira. Entrou na piscina espalhando água para todos os lados.
Karina era uma colega de sala, estudou com a gente a vida toda. Era do tipo popular que conhecia a escola inteira, até os mais velhos. As pessoas a consideravam bonita, mas também era do tipo que se atirava para todo os lados.
- Mas é bem capaz de você virar sapo né? Aquela lá tá sempre de olho em você.
Giovanna não gostava muito da menina.
- É. - Respondi. - Ela estava sempre de olho em todo mundo. Mas é deprimente que a única pessoa que ficaria comigo é a Karina. Ela só fala merda, sabe? É a maior chata.
Comecei a pensar na Karina como possiblidade de um primeiro beijo. A ideia não me agradava muito.
- Já pensou se a gente fica e ela gruda em mim? Será que ela é desse tipo?
Giovanna estava a um tempo -mais tempo que o habitual- calada, então comecei a tatear a água em sua procura em tempo de sentir ela emergindo na superfície.
- Você estava falando comigo?
- Você não estava me ouvindo? Perguntei incrédulo.
- Não. Ela respondeu despreocupada. Entra logo na água, Leonardo, deixa de ser chato.
- Ninguém me chama de chato. Rindo, mergulhei espirrando água nela de propósito.
O final da tarde transcorreu tranquilo. Trocamos de roupa, lanchamos e falamos um pouco mais sobre os amigos que não estávamos nem um pouco ansiosos de reencontrar. Um tempo depois, Gi me acompanhou até o portão de casa, se desculpando por não poder entrar pois ainda tinha que arrumar seu material.
Entrei em casa e ouvi minha mãe dizer que o café estava na mesa. Fui para o meu quarto e coloquei a mochila em cima da cama. Voltei pra sala e me sentei em meu lugar habitual a mesa, brincando com a cadeira enquanto minha mãe se sentava.
- Como foi seu dia? Ela perguntou enquanto puxava minha cadeira para o lugar.
- Foi bom.
- Só bom?
- Ah, foi legal.
Ela alisou minha bochecha com a ponta dos dedos e estalou os lábios em desaprovação.
- Você está muito queimado. Não passou protetor solar?
- Passei sim. -Menti. -É que tava muito sol.
Ela me conhecia bem.
- Você tem certeza?
- Tudo bem, não passei. - Respondi em desistência. - Mas mãe, você sabe que eu detesto passar protetor, fico com aquela sensação grudenta na pele. É sério, eu prefiro não tomar sol.
- Pois é exatamente o que vai acontecer da próxima vez. Você já arrumou suas coisas?
Suspirei
- Não, eu estava esperando a preguiça passar. Mas acho que vai ter que ser com preguiça mesmo.
Ouvi passos de alguém entrando na sala. Meu pai apertou meu ombro e se sentou no meu lado esquerdo.
- Você está queimado. Onde esteve?
- Na casa da Gi.
Ele riu.
- Sabe, outro dia eu encontrei com a Gi na rua e levei um susto. Ela cresceu tanto, virou uma mulher. Nem parece que até um tempo atrás vocês eram crianças e agora já estão ficando velhos.
Minha mãe puxou minha cadeira pro lugar de novo.
- Léo, eu falei com a sua vó e ela tem médico nessa quarta feira então eu pensei...
- Tudo bem, eu venho pra cá. Eu disse, me adiantando.
- E você vai ficar sozinho? O que é que você vai comer?
- Sei lá, eu como na cantina, faço um misto quente. Eu me viro
Ela hesitou.
- Não é uma boa ideia, eu vou ficar preocupada.
- Mãe, o que de tão trágico pode acontecer?
- Tudo bem. -Ela respondeu depois de um tempo, a voz oscilando. - Mas você vai ligar pra gente assim que você chegar em casa. E não esquece de carregar o celular.
- Tá bom, mãe.
Voltei pro meu quarto pra arrumar as minhas coisas para segunda feira. Não estava nem um pouco empolgado. Seria apenas mais um ano sendo o ceguinho estranho da escola, mais um ano sendo o frágil filho de 17 anos que mal pode ficar sozinho em casa, seria apenas mais um ano como todos os outros. O pensamento me desanimou, então deitei na minha cama desejando que o tempo passasse mais devagar.

Hoje eu quero voltar sozinho Onde histórias criam vida. Descubra agora