Quando escrevi a primeira parte, o que tinha me serviu para determinar se iria ou não comemorar o aniversário de Amélia. Acabei cedendo e indo, lá encontrei seus amigos, quase todos me detestavam e eu a eles. Verdade é que eles se detestavam e detestavam Amélia, em certa medida, também, mas falsidade e ocasiões faziam com que eles formassem as famigeradas panelinhas, para excluir de vez da roda um ou outro membro. Eu mesmo fui recrutado e excluído por essas panelinhas algumas vezes. Todos eles pareciam estar inconscientes deste ato, até que um dia eu o enunciei, em um jantar, tudo isto de forma bem clara e detalhada, para todos eles, usei até exemplos. Amélia ficou toda sem graça, sendo sempre ela uma espécie de elemento quase neutro. E os outros se reuniram e me excluíram por definitivo. Admito que fiquei um pouco magoado, mas tinha mais o que fazer e acabei nem me zangando direito. Quando se deu sua festa, foi de fato, a primeira vez em um ano ou mais que vi seus amigos novamente. Todos eles abriram sorrisos calorosos para mim e me puxavam pelos cantos para falar mal de algum outro elemento e me contar sobre as pessoas que destruíram minha honra enquanto estava ausente. Bem sei que não deveria dar ouvidos a essas coisas, mas na época tinha escrito tudo que havia para escrever sobre Kusposnick, e
passava por uma rara escassez criativa, então foi um deleite prostituir meus ouvidos.
A insistência de Amélia em ter muitos amigos, a colocou no centro um grupo sinistramente medíocre. O ciclo social ali se sustentava num sistema de perpétua subtração, não só de seus integrantes, mas também do que poderia ser subtraído de seus integrantes. De Amélia, por exemplo, queriam sua atenção, seu tempo, sua admiração, seu carinho, sua companhia, sua beleza, sua sanidade, sua constante e fiel dor, seu raro amor e seu corpo. E Amélia queria deles, geralmente, algo que entorpecesse, risadas, conversas bobas e, em alguns casos, seus corpos também. De mim eles só queriam geralmente atenção, meu coração – todos querem, por pura vaidade, o coração de um poeta, depois que isso lhes rende um poema ele pode ser devidamente descartado – e meu dinheiro. Deles eu só tomava Amélia. Assim que um integrante começava a subtrair demais, o processo já descrito de exclusão começava, geralmente, Amélia era alheia a esse processo, mas quando o sujeito era excluído pelo grupo, era excluído por ela também. Perto do fim, chegou a vez de Amélia de ser excluída pelo grupo.
Como havia chegado atrasado na festa, os ânimos iniciais de cumprimentos e apresentações já haviam se assentado junto ao álcool nos copos. Logo percebi que havia um novo elemento, que tinha o favoritismo superficial de todos, mas que ficava descaradamente excluído, falo de Agatha. Demorei para perceber que era ela, Kusposnick me dissera que tratava-se de uma moça encantadora, mas não descrevera como era fácil pôr o olhar sobre ela e se deixar ficar ali por horas, apenas observando aquela figura grácil. Quando fui falar com ela, apenas tentei não ser muito desastrado.
"Moça, me desculpe, mas por algum acaso é você a Agatha?"
"Sim" Disse ela com um jeitinho meio deslocado e abrindo um sorriso "E você é...?" Daí me apresentei.
"Ah sim! Amélia me falou bastante sobre você!" Com isso eu fiz uma cara azeda, de quem espera o pior "Não, não fica assim, ela gosta muito de ti." Preferi não dizer o mesmo, afinal, Kusposnick, claramente ainda tinha dúvidas sobre o que sentia, apenas disse que também ouvi falar dela. Ficamos conversando sobre o fim do mundo até que Amélia chegasse dizendo "Larga minha muié, rapá" Quando eu ouvi aquilo eu me senti genuinamente feliz, Amélia estava sendo boba na presença de outra pessoa, ela raramente fazia isso, geralmente só comigo – que eu saiba – e quando estávamos a sós. Aquela moça realmente parecia ser especial. Resolvi deixá-las sozinhas, e como não queria falar com mais ninguém – e como me esqueci que em aniversários tem de se cantar os parabéns – fui embora. Na saída me encontrei com um dos poucos daquele grupo que gostava genuinamente de mim e eu dele. Pena que não me lembro do seu nome. Ele estava bem elegante, de calça bege e paletó azul, carregava um livro na mão. Conversamos um pouco e ambos seguimos nossos caminhos. Soube um tempo depois que o irmão de Amélia apareceu na festa, arruinando completamente o humor dela e, por conseguinte, a própria festa. Estou convencido de que, apesar de tudo, o irmão de Amélia é uma boa pessoa, é apenas indesculpavelmente desastrado.
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Kusposnick, por Otávio Babalsky
Short StoryÁmelia Kusposnick, uma jovem peculiar, desperta no dia do fim do mundo sem perceber que estava prestes a viver o pior dia de sua vida. Mas nada disso importava, tinha que ir trabalhar e dali a uma semana seria aniversário de um amigo, e ela ainda nã...