Capítulo IX - Espelho

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Kusposnick seguiu sua vida, por um tempo. As coisas nunca deram certo com Agatha, a moça tinha seus problemas e Amélia temia acabar por ser mais um. Todos podemos reconhecer que este é um motivo falso, certo? A atração faz com que não importe muito sermos problema, fazemos a jura de um dia ser solução e ficamos todos problemas, até o fim. Foi o que os pais de Amélia fizeram e o fim só veio vinte e quatro anos depois. A verdade é que a senhorita Kusposnick nunca teve certeza do que sentia. Todos relacionamentos se acidentam e afundam várias vezes, mas Amélia não parecia querer naufragar com Agatha. Fato é que ninguém realmente deseja naufragar, mas algumas pessoas fazem parecer que vale a pena.

Mostrei, algum tempo depois, tudo que havia escrito disto aqui, num formato desconfigurado, para Amélia e ela pareceu não ter se reconhecido quando se viu pelos meus olhos. Invejava uma ou outra característica, condenava algumas atitudes, mas, em geral, não sentia empatia nenhuma por si mesma. Quando disse que a mataria ao fim do livro ela apenas disse que seria interessante. Perguntei se Amélia não merecia uma chance, ela disse que não, parece ter se convencido de que Amélia jogaria fora essa chance. Insisti nessa ideia, dizendo que mesmo que ela jogasse fora essa oportunidade ela deveria experimentar dela. Seus olhos caíram de imediato no chão. Me mandou fazer o que quisesse. Acho que ela havia percebido mais do que julgava.

A época, fiz isso para atormentar um pouco Amélia. Se ela se reconhecesse, veria aqui um pouco de um flerte e um pouco de uma crítica, ambos talvez fossem úteis, talvez nenhum fosse, para todos os efeitos, poderia ser publicado. Hoje vejo o quão infantil tudo isso soa. Eu deveria ter sido seu amigo. Mas como poderia? Ela constantemente se negava a ser minha amiga. Tirava meus problemas como pequenos, todos eles, para isso usava uma manobra que teve muito efeito nos primeiros anos de nossa suposta amizade, me dava o crédito da invencibilidade. Meus sentimentos? Passariam. Minha solidão? Normal. Meus conflitos? Desnecessários. Se por algum motivo qualquer meus problemas chegassem a afetá-la também, discutíamos e ficava sem vê-la por meses. Daí, eu a procurava ou ela a mim, mas só se fingíssemos que nada havia acontecido.

Em geral, esta amizade sobreviveu porque volta e meia ela precisava de alguém real para conversar e eu...

Eu não sei, sentia certa... empatia por ela.

Kusposnick, por Otávio BabalskyOnde histórias criam vida. Descubra agora