Capítulo X - Tetélestai

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Ainda a vejo em alguns sonhos, com os mesmos jeitos que ela tinha quando confrontada, sempre paralisava, jogava a cabeça para o lado e ou entrelaçava as mãos, e de modo bem atrapalhado ia tentando dizer o que achava que devia dizer, pondo bem de leve, mas com muita leveza mesmo, resquícios de sua verdadeira opinião aqui e ali. Demorou muito tempo, mas posso dizer que conheci Amélia sem sua complicadíssima vestimenta social ansiosa. Eu me encantei, me viciei nela e, talvez, ela em mim. Nossas conversas tinham o efeito de doses de ópio. Afastavam a dor temporariamente. Ela era uma pessoa sensível, em certos níveis bondosa, em certos níveis corajosa e muitíssimo peculiar. Mas, com uma frequência de se lamentar, falhava em por isso à vista do resto do mundo.

Percebi então duas Amélias, uma que se apresentava quando estávamos sós e outra quando ela estava com os outros. Vi Amélia várias vezes falando com seus outros amigos e era um pouco esquisito, sua voz mudava e ela parecia tentar imitar alguém, alguém ou blasé ou artificialmente entusiasmada sobre tudo. Às vezes ela simplesmente ficava num canto, soltando objeções, se sentindo constrangida mesmo quando era encantadora. E eu a atormentava com isso. Coisa infantil.

Seja como for, o mal feito foi feito de forma impecável. O senhorzinho com quem Amélia gostava de conversar retornou ao trabalho, desta vez, sua voz estava claramente fraca e ele já não desejava mais conversar com ela. Dava a Kusposnick apenas os mais secos dos bons dias e pronto, isto era tudo. Agatha, tendo feito uma dupla graduação, trocou inteiramente de profissão e até de Estado, só ai se fez notar a falta que ela fazia. Fez-se muita falta e um pouco de inveja. Seu tio, o bronco, fora internado após ter apanhado em uma briga de trânsito. Seu pai se tornava um alcoólatra e seu irmão sumira, ninguém sabia onde ele estava, vez ou outra ele ligava para mãe, de números diferentes, apenas para informar que estava bem. E sua mãe, que tanto experimentava da liberdade, agora experimentava da liberdade que tem os outros para nos abandonar e da liberdade que temos para ficarmos inconsoláveis por dias sem a perspectiva de melhora. Seus amigos, como já mencionado, a excluíram. E eu e ela paramos mutualmente de buscar um pelo outro.

Nesses casos, ou se dança graciosamente sobre o caos ou se afoga nele.

Novamente, reitero, o mal feito foi feito, como cedi em ir ao aniversário, não cedi em ir ao funeral.

Kusposnick, por Otávio BabalskyOnde histórias criam vida. Descubra agora