_Maria! Atende, porra!
Uma mulher andava impaciente por entre algumas flores, buracos abertos e estruturas de variadas formas, tamanhos e materiais em que estavam nomes de pessoas. Estava em um cemitério. Ela tinha flores em uma mão e com a outra mexia em um relógio. Era uma tecnologia revolucionária de dois anos atrás. Era uma película dobrável com tecnologia touch. O relógio era quatro vezes menor quando se dobrava a película. Era um celular adaptável, conectado por bluetooth com um minúsculo misto de fone de ouvido e microfone.
_Lúcia?
Ela se virou. Um homem com cabelo bem cortado, mas desarrumado, ele não se importou em arrumar. Sua roupa parecia cara, mas mal passada, algo até estranho naquela camisa de botões. Ao contrário da roupa da mulher, que aparentava antiga, mas aquele vestido discreto preto, na altura do joelho, estava muito bem zelado.
_Você é uma das últimas pessoas que eu pensei em ver aqui.
_Por quê? Eu fui um dos últimos a desistir.
_Alguns de nós nunca desistimos, Pumba.
_Ninguém mais me chama assim. Todos nós desistimos.
Ela começou a andar de novo. Quem ela pensa que é? Luan era um grande amigo. Não me lembro dela sendo tão próxima dele. É teatro. Sempre foi chamativa. Todos éramos. Mas, pelo que me lembre, buceta era algo um pouco mais especial para ela.
_Como vai seu noivo?
Ela olhou para mim. Senti a minha face se contrair num pequeno sorriso. Ela balançou a cabeça em movimentos afirmativos, mas tinha decepção naquilo. Não sei se a decepção era comigo, mas devia ser com ela mesma. Antes ela teria gritado comigo, no mínimo. Sempre foi muito expressiva e gesticulava muito. Aquilo morreu nela, mas todos morremos um pouco.
Comecei a andar atrás dela. Ainda não me acostumei com o silêncio, mas ele tem sido um companheiro cada vez mais frequente. Ela parou em frente de uma lápide, colocou as flores nela. Eu sei de cór tudo que está escrito, qual é e onde está a foto. Como eu odeio aquela foto! É de quando ele tirou o aparelho. Ele tava sorridente, feliz. Isso foi dois meses antes de acontecer. Ele tava alegre. O pior de tudo é que a foto foi tirada no meu sítio. Bianca foi quem deu e recomendou essa foto para a mãe dele. Ela tinha me perguntado sobre a foto. Eu fui contra. Mas isso não a impediu. Esse pensamento me lembrou de uma coisa.
_Cadê a Maria? E a família dele?
Ela olhou pra mim de uma forma estranha. Quase indignada.
_Não sei onde a Maria tá. Achei que você já soubesse da família dele.
Não sei se minha cara está indiferente ou curiosa, mas ela continuou.
_A mãe dele vem aqui todo dia, menos essa semana, o pai só consegue vir a noite, bêbado, e a irmã tá em São Paulo, só volta pra essa cidade no aniversário dela.
Nós ficamos olhando a lápide mais um pouco.
_Por que você tá aqui?
_Por que é tão estranho eu estar aqui?
_Por que você parou de falar com todo mundo?
_Tô falando com você, não tô?
_Responde logo a minha pergunta.
Fica calmo. Qual das perguntas? A primeira, com certeza.
_Eu vou buscar o Vitor na prisão, parece que a família não quer mais ver ele.
_E o que isso tem a ver com você estar aqui?
Ela sentou do lado do túmulo. Me encarou com a sobrancelha arqueada, sabia que tinha sido ela.
_Você quer saber quem passou o seu número para ele.
Apertei meus punhos.
_Fui eu. Mas também não importa quem foi. Por que você não passou o seu número para todo mundo?
Porque não! Porra! Ficar ouvindo os lamentos de todos? Ver todo mundo tentando achar um culpado? Ver todos tentando achar uma culpa em si? Só ele é culpado! Ninguém mais é amigo! Ele acabou com tudo! Não tem mais vínculo! Tudo porque ele...
_Você tá chapado?
Ela tava acenando a mão na direção dos meus olhos.
_Você não pode...
Minha cabeça doeu, só dei alguns passos para frente, tive que me apoiar numa lápide próxima. Lúcia levantou para vir me ajudar, mas eu a afastei com o braço.
_Eu não devia ter vindo.
_Mas deveria vir mais, mesmo assim.
Olhei pro rosto dela, me lembrou ela de antes. O olhar expansivo. Balancei um pouco a cabeça e comecei a sair daquele lugar. Saí com pressa de casa, esqueci de tomar o remédio pra dor de cabeça. Ela tá latejando. Paro na entrada do cemitério e encosto no muro. Logo ela passa. Merda! As vezes demora. Mas não tenho tanto tempo assim, é só esperar ela diminuir... Filha da puta. Coloco as mãos na cabeça. Aperto ela. Quero ir embora logo. Ainda tenho que ir buscar o Vitor e... A Maria! Logo ela vai chegar, ela sempre vem hoje. Não tô nem um pouco afim de ver ela. Foda-se a cabeça, vou embora de qualquer jeito.
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Aos Velhos Tempos!
Mystery / ThrillerVocê consegue dizer quem está mentindo? Quem delira? Quem se importa? Consegue ver um verdadeiro amigo? Um amor? Os caminhos na vida são engraçados, imprevisíveis. Um grupo de "amigos" têm algumas pendências e escolhas pesando-lhes nas costas. Rom...