Maria estava sentada numa poltrona confortável, apertava com força uma bolsa e olhava fixamente para a porta. Um pouco mais ao lado, uma mulher com grandes olheiras estava deitada na cama, um sensor em sua testa media a atividade cerebral, batimentos e pressão que aparecia numa tela na lateral da cama, tinha a mão esquerda imobilizada por uma tala e um aparelho férreo similar a um exoesqueleto. O quarto era só o suficiente para ser prático.
A mulher da cama tinha cabelos loiros, dormia profundamente, mas parecia ter dificuldade em respirar. Era possível ver que tinha a mesma idade de Maria, mas estava envelhecida. A pela estava sem cor e com uma aparência doente, o cabelo estava descuidado e sua expressão soturna não saía de seu rosto.
Meus olhos abriram, uma luz branca fez eles fecharem de novo. Fiquei piscando, tentando me acostumar com a luz. Mas algo a bloqueou, algumas coisinhas fizeram cócegas em meu rosto. Consegui começar a reconhecer a silhueta e me forcei a abrir os olhos. Maria. Ela saiu da direção da luz. Fiz um pouco de esforço para me levantar. Doeu bastante, então desisti. Que porra é essa no meu braço?
Uma tala funcional. Só usam isso em casos graves, permite uma rigidez extrema com uma mobilidade considerável. O SUS não cobre uma dessas, e nem esse quarto. Eles pegaram pesado dessa vez. Foi a primeira vez que... A arma!
Num salto, eu estava sentada, minhas costas reclamaram de dor. Reclamaram bastante. Deitei de novo.
Ouvi alguns passos. Era Maria, estava na porta agora, ela... ela... ela trancou a porta? Sim, trancou a porta e sentou ao lado de meus pés. Mexeu na bolsa.
_É melhor você ser sincera comigo, as coisas não vão ser como da última vez. Então eu vou ser direta.
Tirou uma arma da bolsa, uma pistola pequena com um formato meio quadrado.
_Tava com você, peguei por precaução. Como você conseguiu uma pistola sônica de dez balas que pode atravessar uma parede de ferro com dez centímetros de espessura? Responde rápido, nada de mentiras.
Ah, me poupe! Você me ajudou uma vez e eu acabei com tudo, da mesma forma que todos os outros. Não me venha bancar a vaca moralista. Impressionante como ela consegue manter o mesmo sorriso iluminado dos quinze anos, será que sempre foi forçado? Tudo bem. Pensa rápido.
_Eles, eles, eles...
Deixei algumas lágrimas escorrerem por meu rosto, deixei a voz melodramática. Vai ser divertido, mas não espero que ela caia, só preciso apostar que vá servir. Ela colocou a mão na minha perna, sempre foi sentimentalista. Enxuguei as lágrimas, é agora.
_Eles botaram essa arma na minha garganta, eu, eu... quebraram a minha mão com uma chave de fenda enquanto ameaçavam estourar meu crânio por toda a picape e eu... Eu só pude ficar lá chorando... Com medo de gritar e eu só queria poder apostar que ia morrer pra fazer eles acabarem logo com aquilo e, e, e... No fim eles me deixaram a arma, pra recordação.
Ela apertava minha perna com mais força. Colou ou não? Ela levantou, foi pra poltrona.
_Você deveria ter parado com isso quando eu falei, Bianca... Ah, Bianca!
Ela cobriu os olhos com a mão. Colou, Luan tinha um ótimo jeito de mentir, mentir com a verdade, só mudando algumas coisinhas. Demorou pra eu perceber quando ele fazia isso, mas quem se importa? Ficou pra trás, a Vadia Cruel ficou pra trás.
_Eu vou ficar com a arma.
Filha da puta, que desgraça é essa?
_Um dos caras tá me perseguindo ele parece muito com... Ele sabia muito. Sobre mim e os outros. Sabia demais.
Aqueles retardados? Não devem saber nem quantos dedos têm.
_Como ele é?
_Uma altura normal, cabelo castanho, branco, olhos... Não sei, tinha uma barba rala.
_Você descreve meio mundo assim, como era a tatuagem dele?
_Não tinha tatuagem.
Quê? Não tem um deles que não tem tatuagem. No pescoço. No braço. Todos em lugares visíveis.
_Certeza?
_Não que eu tenha visto. Perecia que ele me conhecia, sabe? Escolheu coisas, palavras que iam me atingir. Quer dizer, quem usa camisa com dinossauro? O que você falou pra eles?
Pera aí, dinossauros? Que que ela tá achando que eu sou?
_Cê tá achando que eu fiquei de papinho com eles? Hein? Que eu fiquei falando do seu romance fracassado? Que eu tagarelei do desgraçado que... que...
Eu vi os olhos dela. Merda, não devia ter falado isso. É como se um arco-íris tivesse morrido. Pera, merda! É hoje! Ele morreu hoje. Chega disso, vou esperar ela dormir, pegar a arma e vou embora. Hora de visitar um bastardo que eu já chamei de amigo.
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Aos Velhos Tempos!
Mystery / ThrillerVocê consegue dizer quem está mentindo? Quem delira? Quem se importa? Consegue ver um verdadeiro amigo? Um amor? Os caminhos na vida são engraçados, imprevisíveis. Um grupo de "amigos" têm algumas pendências e escolhas pesando-lhes nas costas. Rom...