Excerto 5: Dama de ouro

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  Maria não sentia essa dor de cabeça a muito tempo. Quando chegou em casa na noite anterior, demorou a se livrar da paranoia do Homem ter a seguido. Então, virou metade de uma garrafa de conhaque que estava aberta fazia tempo e desmaiou. Isso explicava a dor de cabeça. Mas tinha algo a mais, estava preocupada com as outras pessoas, há um ano atrás, Marcelo quase morreu.

  Ela se troca rápido, uma roupa sóbria para o cemitério, abre a porta do quarto com calma para não entristecer seus ouvidos. Sua cabeça estava presa em seu mundo de pensamentos enquanto o seu corpo fazia a rotina de sempre. Era automático. Sabia que o dia iria ser tenso.

  Primeiro, tenho que ligar para a Delegada Romani. Hoje é um dia especialmente pesado para ela.

  Coloco a água para ferver.

  Muito mais do que para mim. Coitada. Já a conheço a muito tempo, mas não ouso chamá-la pelo primeiro nome.

  Pego um coador.

  Depois tenho que encontrar Lúcia. Ela é uma boa pessoa, mas as vezes queria dar um soco em sua cara! Ou só gritar mesmo! Aqueles vestidos me entristecem. Como eu queria vê-la com um jeans.

  Pego o pó de café, que não sei o nome certo.

  Mas ela tem sido tão amiga. Foi repentino, mas ela é uma amiga. Queria conseguir ter coragem pra falar o que eu penso, tentar ajudar.

  Coloco a água fervendo no coador com o pó.

  Mas ela tem sido tão amiga. Não quero arriscar e perde-la, ela foi a única que ficou.

  Finalmente, saboreio o que está na minha caneca. É forte e sem açúcar, do jeito que eu gosto.

  Tak.

  Foi só um impacto, quase que o barulho foi mudo. Mas foi o suficiente para gelar toda a minha espinha. Viro de costas para pia devagar. Minha mão esbarra sem querer numa faca pequena de serra, ainda suja, preguiça de lavar. Agarro-a com força e ganho coragem para olhar.

  É o Homem, está usando a mesma camisa. Agora, o nome do dinossauro veio na minha cabeça. É um esqueleto de estegossauro, lagarto telhado. Quase consigo ouvir a voz dele falando isso pra mim. O homem está sentado no braço do meu sofá, consigo ver meu celular do lado de sua perna. Ele derrubou uma caneta, mas tenho quase certeza que ela é minha.

  Que idiota! Não percebi que estava sendo seguida. E nem que ele estava no apartamento. Maldito conhaque! Eu devia ter feito algumas dívidas para aumentar a minha segurança, depois que Bianca ligou para mim, eu não devia ter superestimado minha imaginação!

  _Bom dia, vejo que teve uma noite agitada.

  Ele olhou para a garrafa que esvaziei na noite passada. E agora? Ele pode ser um estuprador, pode só querer dinheiro. Talvez ele vá embora quando ver que eu não tenho nada. Mas e se ele não tiver nada a ver com a Bianca? Ele só vai falar isso? Minhas opções são limitadas. Não posso ligar para ninguém, não com meu celular ali. Se eu gritar, ele deve ter uma arma. Não acho que consigo usar a faca em minha mão, mas parece a melhor opção. Só preciso esperar ele voltar a falar.

  _Tira essa tristeza da cara! Você é mais divertida em um bar.

  _ Vamos sair daqui então, sou uma pessoa diferente nesse apartamento.

  _Huumm... Outro dia, talvez, sinto que vou ter que vir aqui mais vezes.

  Senti um aperto no peito, tenho que disfarçar. É um pouco difícil ele não perceber que a minha respiração mudou. É difícil fingir normalidade quando nem consigo ver os olhos dele.

  _Quero ser rápido hoje, é um dia complicado, não é?

  Acho que tenho que falar alguma coisa.

  _Todos os dias são complicados. Se sabe onde eu moro, também deve conhecer minha conta bancária. Minha vida não é tranquila.

  Ele balançou a cabeça positivamente, ele realmente conhece minha conta bancária. Se ele sabe que eu não tenho dinheiro, por que está aqui? Me viu no bar e pesquisou sobre mim, foi bem planejado. Esse cara não faz sentido.

  _Pode ser. Não duvido que seus dias são ruins, mas parece que o de hoje é um epicentro de problemas. Não com você, fica tranquila, respira em paz. Mas os seus amigos, pelo menos acho que são, estão morrendo.

  Ele apontou para a porta, seus lábios fizeram “vai logo" bem devagar. Ele ficou ali. Não vou me mover, não como se eu não quisesse, sinto que elas estão enraizadas no meu piso. Ele bufou, começou a mexer na cintura. Na realidade, aquilo não me incomoda, já não temo a morte a um tempo. A única coisa que me assusta é o sofrimento, dependendo do lugar, é rápido e limpo, mas não vou arriscar hoje. Fui bem devagar, sem me virar de costas para ele e sem soltar a faca. Na verdade, estou me agarrando nela como nunca.

  Abri a porta e continuei olhando para ele. Tem algo me incomodando. Aquela caneta, eu lembro de ter derrubado ela ontem. Ele pode tê-la pegado do chão. Ele não é o que eu esperaria de um bandido... Meus olhos cruzam o dele. Maldito verde! Foda-se!

  Saí rápido e fechei a porta mais rápido ainda. Tive um segundo de completo branco até recobrar a consciência. Corri pelo corredor. O prédio não é grande, mas a distância até a curva pareceu enorme. Olhei para meu apartamento antes de ir para o elevador, não sei se a porta estava aberta. Continuei a olhar até a curva não permitir mais.

  Tenho que ir para o elevador, descer, mas depois o quê? Lúcia! Isso, ela é a única pessoa que eu sei onde está, eu já devia ir pra lá de qualquer jeito. Ela tem um celular, posso ligar para todo mundo, eu passei o número do Pumba para ela. Posso me certificar que todos... Mas que merda! Uma garota tava caída na porta do elevador, tava muito magra, o cabelo loiro maltrapilho. Todo mundo consegue entrar na porra desse prédio? Ela não deve ter conseguido chegar na minha porta. Bianca! Está machucada.

Aos Velhos Tempos!Onde histórias criam vida. Descubra agora