Um cara alto, cabelo claro, estava passando por algumas ruelas da cidade e resmungando sobre uma tal de Daniela. Suas mãos mexiam com algo que havia dentro do bolso, olhava a paisagem procurando por algo. Deveria estar perdido.
Passou por mais dois cruzamentos, havia bastante prédios a sua volta. Ok, só mais um pouco e chego no “bosque”. Senti meu celular vibrar, tinha tirado o toque pra vir. Peguei do bolso, “Bianca”. Merda, ela não fala comigo a meses, talvez mais. Alguma coisa aconteceu. Atendo.
_Marcelo?
Era Maria?
_Maria? Eu salvei seu contato errado?
_Não, eu estou com o celular da Bianca. Daniela disse que você saiu, onde você está?
_Em um lugar que não pode ficar exibindo um celular. Por que você está com o celular da Bianca?
_Estou com ela no hospital.
Mas o que? Como assim? Fico em silêncio. Quase não dá pra acreditar nela, está muito calma.
_Olha, um cara apareceu no meu apartamento. Acho que ela se meteu em alguma coisa séria. Pare o que você está fazendo.
A voz dela parece trêmula agora. Nunca vi Maria com medo, não é isso. Eu já ouvi a voz dela assim antes, mas onde.
_Olha, eu não tenho nada, sou inútil, seja lá o que Bianca se meteu. Mas, qualquer coisa, como é esse cara?
Ela ficou quieta, ou será que a ligação caiu. Foda-se, não vou perguntar se ela tá aí, se ela não falar nada vou embora.
_Ele tem um cabelo escuro, é branco, devia ter um e oitenta ou um pouco menos, não tem cara de ser agressivo e...
Uma pequena pausa.
_Tava usando uma camisa com um dinossauro.
Só pode ser brincadeira.
_Maria, não tô afim de brincadeira, vou desligar.
_Ele sabia de você e do Vitor, sabia de hoje! Volta pro apartamento, pra Daniela, não é hora de ficar chapado!
Que que tem o Vitor? Qualquer um sabe que ele tá preso. Desliguei. Ela não tem criatividade? Já tentou me impedir outras vezes, mas dessa vez foi longe. Olha o cara que ela descreveu! Vai se fuder! Faz tempo que ela desistiu de me impedir, por que agora? Enquanto pensava nessas coisas, continuei andando, cheguei no bosque. Algumas pessoas estavam caminhando, algo normal para um sábado, mas não havia muitas pessoas. Elas tinham medo do comércio que havia ali pertinho, mas a área era aberta e a polícia passava com frequência, pois era um bairro rico. Qualquer um que parecesse um drogado era parado. Com a minha sorte, tenho uma aparência bem comum para aquele bairro. Escolhendo uma roupa de caminhada boa, como a que estou usando, com logos das marcas caras e valorizadas do momento, posso encostar numa árvore e ficar.
Peguei, aleatoriamente, uma das coisas do meu bolso, como uma roleta russa. O Espinho, uma embalagem redondinha com uma ponta maior do que parece pelo nome. Uma droga recente, derivada de mescalina, que é tirada de alguma espécie de cacto. Se não me engano, é peiote. Conseguiram tornar ela injetável e suavizar alguns efeitos colaterais mantendo seu baixo potencial viciante, que é um pouco maior que o álcool.
As seringas estão parando de ser usadas. Eu já as usei algumas vezes, mas estou com um injetor na minha mão. É mais fácil de usar, só que já vem fixado na embalagem do negócio que você vai usar, só se usa uma vez. O injetor tem uma pequena ponta quadrada, é só colocar ela na pele e clicar no botãozinho do lado, nem precisa verificar se tem ar dentro. Fiz isso, no meu antebraço.
Ah... O sangue passando rápido. Coração latente. Os pulmões inflando rosas. A roupa adocicando minha pele. O chão umâmi em que estou deitado. Vendo as melodias das nuvens por entre as danças das folhas. Que delícia. Os minutos escorregando segundos. Paz de um mundo inércio na adrenalina. Os tambores solo do coração.
_Você tá bem?
Olho para o lado. Um cara branquelo, cabelo escuro. Não consigo ler as marcas de suas roupas, parecia estar cansado, suor escorria por um grande sorriso, devia estar correndo. Parece que fazia isso bastante, era grande, mas meio baixo. Sentei meio zonzo.
_Melhor impossível!
Tenho a impressão de estar com um sorriso abestado. Ele parece estar zoando comigo.
_Tá usando o quê?
Escuto minhas risadas antes mesmo de perceber que estou rindo.
_Nunca.
_Sei. Qual seria outro motivo para estar aqui?
Sinceramente, não sei se estou rindo agora, ou fazendo qualquer outra coisa.
_Talvez, tenha um outro motivo. Do que você está fugindo?
Minha visão ficou turva, por alguns segundos consegui ver a paisagem por ele. Os tons de azul ficaram mais exaltados por um tempo. De súbito, senti sua mão em meu ombro, seu rosto ficou a um palmo do meu. Não é possível. O nariz, o topete desleixado, a expressão simpática, não mudou quase nada. Nove anos. Eu tô alucinando.
_É o dia?
Toda a minha espinha gelou. Literalmente, um Ártico.
_Sim, mas não é por causa do garoto morto. Não só. Tem algo fundo aí dentro, e tá saindo.
A Maria disse sobre esse cara, tem que ser. Não tem outra possibilidade. Ele se afastou.
_Meu Deus! Já tem uma montanha em você, e ainda vem Vitor hoje?
_Quê? Vitor está...
Quem é esse?
_Não! Pensa! Você sabe, nós sabemos, lá no fundo.
Maria mencionou Vitor.
_Não, não tem chance de você vir aqui, ele te mataria.
Ele falou baixinho, mas essas palavras...
_Só uma ligação estranha da Daniela.
Levantei rápido, dei dois passos pra frente e caí de joelhos. Olhei para ele de novo, foi como se eu conseguisse ver ele se dispersando no ar. Tentei voltar a andar em passos vacilantes.
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Aos Velhos Tempos!
Mystery / ThrillerVocê consegue dizer quem está mentindo? Quem delira? Quem se importa? Consegue ver um verdadeiro amigo? Um amor? Os caminhos na vida são engraçados, imprevisíveis. Um grupo de "amigos" têm algumas pendências e escolhas pesando-lhes nas costas. Rom...